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A palavra Renovatio significa renovação em latim, mas pra nós o sentido dessa palavra vai muito além de seu significado literal. Renovatio virou sinônimo de projeto autoral, de vinho brasileiro ícone, da força da mulher no trabalho, da concretização de um sonho compartilhado e, por fim, de um marco na história da Vinhos de Bicicleta. Há 8 anos nascia este clube de vinhos artesanais, com o intuito de fugir do lugar comum e trazer a você uma experiência que extrapolasse a simples degustação de um vinho. Sabíamos que a gente havia criado algo especial, com essência verdadeira, mas não tínhamos ideia do que tudo isso se tornaria um dia.
O ponta pé inicial deste projeto foi a vontade de jovem adulto, de 25 anos, que se encantou pela vitivinicultura e quis compartilhar essa vivência com outras pessoas. Afinal, o vinho é poesia engarrafada, um amigo para as horas difíceis, um camarada para os momentos de alegria e, caso dosado na medida certa, um fiel companheiro para toda uma vida. Aquilo que era apenas um desejo no ano de 2012, tornou-se uma empresa que gera empregos, uma plataforma de educação, um espaço para entretenimento e um dos maiores centros de propagação da cultura do vinho em nosso país.
Para celebrar a concretização desse sonho e propor um olhar otimista para o futuro, encomendamos com a talentosa enóloga brasileira Janaína Massarotto um corte premium que expressasse esse momento da marca. A partir de sua sensibilidade e conhecimento, ganhou vida um corte formado por diferentes terroirs do Rio Grande do Sul. Os elementos combinados foram 40% de Merlot safra 2019 (8 meses em barricas de carvalho francês) da Campanha Gaúcha, 30% de Merlot safra 2018 (12 meses em barricas de carvalho americano) de Campos de Cima da Serra, 20% de Cabernet Franc safra 2019 da Serra do Sudeste e 10% de Ancellotta safra 2019 da Serra Gaúcha.
Para vestir essa distinta criação enológica, convidamos o designer paulista Fernando Fregate, que desenvolveu um rótulo inspirado nas fases da lua e todas as constantes renovações que ela representa para nós. Um brinde ao nosso legado e a você, que é parte fundamental dessa história.
by Sommelier Rodrigo Ferraz | Direitos Reservados
Quem acompanha meu trabalho no canal Vinhos de Bicicleta no Youtube sabe bem de minha paixão pela Garnacha. Tenho que admitir que, por ser uma casta bastante produtiva, existem diversos vinhos mais comerciais e menos complexos feitos com essa variedade no mercado. No entanto, quando o produtor se propõe a fazer um bom vinho, dificilmente ela decepciona.
Apesar de seu reduto mais famoso ser a Espanha, hoje existe uma produção significativa da Garnacha no Chile também. Isso ocorre principalmente por conta dos colonizadores espanhóis, que acabaram trazendo mudas dessa cepa para as terras da América do Sul. Um dos vales chilenos que teve contato com a vitivinicultura desde o século XVII se chama Almahue. No total, essa pequena região possui 360 hectares de vinhas plantadas, sendo que diversas delas são antigas, com idade acima dos 70 anos e ainda produtivas.
Em um período mais recente, na década de 1930, o vale de Almahue passou por sérios problemas hídricos, que prejudicariam muito a população local, não fossem os moinhos d’água usados para irrigação, conhecidos por lá como Azuda. Essa engenhosa solução permitiu o desenvolvimento de uma vitivinicultura mais moderna, mudando para sempre a história da região. Esse contexto foi tão emblemático, que em 1998 os moinhos de Almahue receberam o título de “Monumento Nacional Histórico” do Chile.
A partir dessa história que revela criatividade e inovação frente às adversidades, a produtora Clos de Luz resolveu nomear sua linha de vinhos ícones com o termo Azuda. A vinícola plantou as variedades Syrah e Garnacha em colinas íngremes de solos graníticos do vale de Almahue. A vinificação das castas ocorre separadamente e gera dois varietais distintos, ambos provenientes de colheita manual, com pisa em lagar, fermentação a partir de leveduras indígenas e produção limitada de garrafas, todas numeradas à mão.
Para mim, é muito representativo ter selecionado o Azuda Garnacha para compor a primeira seleção do novo Clube Vinhos de Bicicleta, reinaugurado em 2020. Esse vinho carrega consigo todos os valores que me motivaram a abrir a empresa em 2012, quando eu era apenas um jovem adulto sonhador, pedalando em meio a vinhedos e me apaixonando pelo universo do vinho em definitivo. Nesta garrafa estão as histórias e emoções de um povo, que construiu um legado de trabalho artesanal em conjunto com a natureza, fazendo com que uma simples bebida se tornasse a expressão de toda uma cultura.
by Sommelier Rodrigo Ferraz | Direitos Reservados
Por volta de 500 a.C., os antigos Etruscos já cultivavam vinhas na atual área demarcada de Chianti, localizada na encantadora região da Toscana, Itália. Existe uma história muito rica por trás dessa denominação de origem, inclusive, pouca gente sabe que o próprio termo “Chianti” provém do latim “Clante”, nome de um fórum ancestral que existia naquela terra. Como se trata de uma vitivinicultura regional cujo legado é milenar, os italianos têm profundo conhecimento sobre as minúcias desse importante terroir. Atualmente existe uma subdivisão geográfica bastante detalhada, sendo que Colli Senesi está sem dúvida entre as melhores zonas de Chianti. Por conta disso, gostaria conversar com você a respeito dela.
Dentro de Colli Senesi, existe uma cidade histórica chamada San Gimignano, estabelecida em uma colina, repleta de construções medievais e inteiramente rodeada por muralhas de pedra do século XIII. Para quem já teve a oportunidade de visitar esse paraíso, a impressão é que se fez uma viagem no tempo ao andar pelas ruas da cidade. A cultura do vinho e da gastronomia são muito significativas para a população local, o que acaba sendo literalmente um “prato cheio” para os turistas.
No entorno da deslumbrante San Gimignano estão algumas das mais ilustres produtoras da Toscana. Entre elas está a Tenuta Pietraserena, que pertence à família Arrigoni e já teve o privilégio de ser descrita pelo grandioso cineasta italiano Franco Zeffirelli como “uma das porções mais belas da região”. Seus vinhedos são tão especiais, que até hoje podem ser descobertas por ali conchas marinhas do Plioceno, período da era Cenozoica compreendido entre 2 e 5 milhões de anos atrás.
A charmosa Pietraserena ocupa os dois lados do pequeno morro onde está situada. Em 1966 era uma propriedade de apenas 7 hectares, mas com o passar dos anos foi adquirindo lotes de terra na vizinhança até chegar no tamanho atual, com cerca de 40 hectares, dos quais 30 hectares são áreas destinadas ao cultivo de vinhas e olivais. Nesse local bucólico com altitude de 330 metros acima do nível do mar é criado o Pietraserena Chianti Colli Senesi D.O.C.G., a partir das cepas Sangiovese, Colorino e Canaiolo. Escolhi destacar esse exemplar, pois representa muito bem a história e o terroir de Colli Senesi. Um rótulo ideal para estar presente em uma mesa farta de um almoço de domingo.
Quando abrir a garrafa, dê bastante tempo para a bebida respirar, para que a acidez marcante e os aromas se tornem mais agradáveis. Assim o vinho estará pronto para proporcionar uma viagem através dos sentidos, lhe transportando para uma das mais importantes e bonitas regiões do mundo do vinho.
by Sommelier Rodrigo Ferraz | Direitos Reservados
Na história clássica da vitivinicultura, a Cabernet Franc sempre foi intrinsicamente associada ao seu país de nascença, a França. Lá existem duas regiões que se destacam na produção de vinhos com essa variedade, cada uma representando um estilo distinto. Uma delas é a famosa Bordeaux, com suas vinícolas históricas, que produzem consagrados exemplares rústicos e concentrados. Já a outra é o belíssimo Vale do Loire, uma área de clima mais frio, caracterizada por produzir vinhos mais frescos, elegantes e versáteis do ponto de vista gastronômico.
Em Bordeaux, a tríade sagrada é composta por Cabernet Sauvignon, Merlot e Cabernet Franc. Não é tão comum encontrar varietais nessa região, afinal o estilo bordalês tradicional é formado pelo corte dessas 3 cepas, sendo que na maioria das vezes a predominância vai para a Merlot ou para a Cabernet Sauvignon. Quase sempre a Cabernet Franc entra como coadjuvante, com o papel de agregar complexidade para os vinhos. Já no Loire, o cenário muda de figura, pois é fácil encontrar monocastas de Cabernet Franc. Fica aqui minha recomendação para que você conheça os elegantes varietais dos terroirs de Chinon e Bourgueil.
Essa introdução às origens da Cabernet Franc é essencial para entender os desdobramentos de seu estilo nas terras do Novo Mundo. Sabe-se que ela chegou por aqui há muito tempo e que se adaptou bem aos variados climas da América do Sul. Essa sempre foi uma casta sem muitas complicações nos quesitos cultivo e produção, no entanto, por causa de uma questão puramente comercial, acabou perdendo força no mercado interno. A Argentina apadrinhou a Malbec, o Chile a Carménère e a Cabernet Sauvignon, o Brasil a Merlot, o Uruguai a Tannat, fazendo com que a Cabernet Franc ficasse praticamente órfã.
O lado bom da passagem do tempo é que se pode revisar conceitos antigos, os enófilos ficam ávidos por novidades e se faz necessário buscar outras potenciais estrelas regionais. Isso é justamente o que vem acontecendo hoje, a Cabernet Franc está sendo redescoberta por aqui. O mais interessante é que se você me perguntar qual é o estilo de um varietal sul-americano dessa cepa, a única resposta possível é: “depende”.
Muitos países estão criando excelentes exemplares dessa variedade, inclusive o Brasil, mas hoje gostaria de chamar a atenção para aqueles que estão sendo produzidos aos pés da Cordilheira dos Andes no Valle de Uco, na Argentina. Muitos críticos internacionais já os estão colocando entre os melhores do mundo e eu acho justa essa avaliação. A partir do pleno conhecimento dos hermanos sobre seu terroir, eles conseguiram elaborar um estilo fascinante, misturando bons atributos dos clássicos franceses. O Cabernet Franc do Uco carrega consigo a potência, o volume de boca e a concentração tânica de Bordeaux, porém também apresenta o frescor, a acidez envolvente e a versatilidade marcante dos vinhos do Loire. Para mim, o vinho se apresenta como uma dança harmoniosa, tanto para o olfato como para o paladar. Talvez a principal diferença entre eles é que a predominância aromática dos argentinos está nas notas de fruta, enquanto os franceses nos levam para camadas de aromas e sabores mais rústicos.
Agora é com você, boa degustação! E viva a reinvenção!
by Sommelier Rodrigo Ferraz | Direitos Reservados
Para se conhecer a vitivinicultura do sudoeste francês, é preciso conhecer sua história. Como aconteceu em diversas outras partes da Europa, o cultivo de vinhas nessa área foi gradualmente estabelecido durante a conquista do Império Romano. No entanto, foi durante a Idade Média que uma rota de peregrinação acabou mudando para sempre o desenvolvimento da cultura do vinho na região.
Essa história começa no país vizinho, Espanha, quando no século IX ocorreu a fundação da cidade de Santiago de Compostela e, anos mais tarde (no século XII), concluiu-se a construção de um templo importantíssimo para o catolicismo europeu: a Catedral de Santiago de Compostela. Acredita-se que ali esteja o sepulcro do apóstolo Santiago Maior, por conta disso, o Papa Alexandre III chancelou a cidade como local sagrado para a Igreja Católica. Isso fez com que uma verdadeira legião de fiéis peregrinasse de todas as partes da Europa até essa área na costa oeste do norte espanhol. Essas rotas de peregrinação ficaram conhecidas como “Caminhos de Santiago” e acabaram se tornando algumas das mais concorridas da Europa medieval, ficando atrás apenas dos trajetos que levavam às cidades de Roma e Jerusalém. Atualmente os Caminhos de Santiago são considerados Patrimônio Mundial da UNESCO e muitas pessoas ainda os percorrem, mesmo não sendo por motivos religiosos.
Quando se observa o mapa desse roteiro católico, mesmo considerando os mais variados locais de origem de toda a Europa, é fácil perceber que o sudoeste francês é praticamente um ponto de intersecção obrigatório. Some isso ao fato que desde a Idade Média existem multidões percorrendo esse roteiro em peregrinação. Posto isto, não fica difícil entender o motivo que levou ao florescimento de diversas abadias e mosteiros nessa área, com o intuito de acolher e alimentar os peregrinos. Essas mesmas comunidades religiosas desenvolveram a cultura da vinha do sudoeste francês, lembrando que em diversas ocasiões era mais seguro beber vinho do que a própria água nos idos dos tempos medievais.
Com o passar do tempo, os Caminhos de Santiago e outros trajetos comerciais (como as rotas jacobinas durante a Revolução Francesa) se tornaram essenciais para a difusão de castas, exportando variedades indígenas do sudoeste e importando outras castas. Acredita-se inclusive que foi a partir disso que se carregou a Cabernet Franc para as regiões mais ao norte de Bordeaux e para as terras do Vale do Loire.
Para que você prove um pouquinho dessa história secular, selecionei o Château Molhière Terroir des Ducs, elaborado pela família Blancheton na denominação A.O.C. Côtes de Duras. Um vinho que carrega consigo complexidade e notas rústicas típicas, revelando-se um estandarte simbólico do sudoeste francês. Santé!
by Sommelier Rodrigo Ferraz | Direitos Reservados
Aragão é uma região do nordeste espanhol, por onde passa um dos maiores rios da Península Ibérica, o Ebro. Trata-se de uma área com dimensões grandiosas, já que sua extensão vai desde a Cordilheira dos Pirineus (ao norte) até uma parte mais central da Espanha (ao sul). Isso faz com que o clima dali seja muito diferente de um local para outro, o que significa que a temperatura pode ser abaixo de zero nas proximidades dos Pirineus, enquanto o calor do verão é tórrido nas zonas mais próximas do deserto de Monegros.
Esses fatores não influenciam somente o tamanho das malas dos turistas que visitam a região, mas também o estilo dos vinhos elaborados em cada pedaço daquela terra. Uma das áreas vitivinícolas mais promissoras de Aragão fica no entorno da cidade de Calatayud, cuja denominação de origem carrega esse mesmo nome. Apesar do cultivo de vinhas ocorrer por ali desde o século II a.C., essa jovem D.O. foi criada apenas no ano de 1989, o que a torna uma das mais novas da Espanha.
A primeira referência escrita à distinta qualidade dos vinhos de Calatayud ocorreu no século I d.C. e seu autor é Marco Valerio Marcial, um historiador nascido na cidade romana de Bílbilis Augusta. Essa foi uma cidade próspera em seu tempo, sendo que, não à toa, os árabes fundaram o que hoje é Calatayud perto dela. Em suma, os romanos desenvolveram a vitivinicultura, os muçulmanos a abandonaram e os cristãos mais uma vez enfatizaram sua importância durante a reconquista como cultura colonizadora.
Hoje os produtores de Calatayud têm plena consciência de que as condições extremas ditam o perfil de seus vinhos, inclusive eles se orgulham disso, afinal o lema da D.O. é “onde o impossível, se faz possível”. A imensa amplitude térmica não ocorre apenas entre o inverno gelado e o verão escaldante, mas também entre o dia e a noite, o ano todo. Isso sem contar nas tempestades que eventualmente ocorrem por lá.
Além da questão climática, as videiras também tiveram que se adaptar às cadeias montanhosas com 550m a 1000m de altitude e aos solos bem secos da região, compostos majoritariamente por ardósia, cascalho, argila e calcário.
O extraordinário resultado dessa complexa soma de fatores fez com que o francês Christophe Chapillon, originário do Vale do Loire, se inspirasse para criar vinhos autorais em Calatayud. Segundo ele próprio, seus rótulos carregam um cerne moderno, sem a preocupação de seguir um estilo local mais tradicional de vinificação. Por esse motivo, escolhi deles para que você prove a natureza selvagem deste pedaço especial da Espanha. Tente perceber as diferentes expressões de fruta e especiarias, a riqueza dos taninos, a acidez que deixa a bebida viva, por fim, o equilíbrio que nasce do caos.
by Sommelier Rodrigo Ferraz | Direitos Reservados
Vamos começar esse texto com a citação de Luigi Veronelli: “Você não sabe por que Gaggiarone? Vem de um antigo termo gótico, para indicar lugares e objetos de beleza superior, adequados para um rei”. Veronelli foi um intelectual, gastrônomo e crítico de vinhos, além de ser considerado um dos principais ativistas na valorização do patrimônio enológico e gastronômico da Itália. Lutou pela preservação da diversidade no campo da agricultura, tendo contribuído para o desenvolvimento de diversas denominações de origem italianas através do apoio às associações regionais.
Seguindo os ensinamentos de Luigi Veronelli, hoje lhe convido para uma viagem à diversidade. Por favor, deixe de lado por um instante aquilo que você conhece sobre a vitivinicultura contemporânea e vamos caminhar juntos pelo exótico. Nosso destino é Oltrepò Pavese, uma belíssima área ao sul da Província de Pavia (na Lombardia), bem na fronteira com as famosas regiões do Piemonte e Emilia-Romagna. Trata-se de um local na parte norte da Itália, com relevo montanhoso e solo predominantemente composto por rochas sedimentares marinhas e argila. Além desses fatores, a temperatura média anual é baixa, fazendo com que os vinhos de lá tenham características típicas como elegância, elevada acidez, mineralidade pronunciada e aromas que misturam fruta a toques de ervas secas e especiarias.
Nessa área singular para a vitivinicultura, o estilo de produção é quase sempre artesanal. Dificilmente você encontra por ali produtoras industrializadas de grandes volumes, muito pelo contrário, os vinhos de lá acabam sendo incomuns aqui no Brasil justamente porque as quantidades são limitadas. Entre essas raridades de Oltrepò Pavese está a Azienda Agricola Annibale Alziati, criadora de vinhos biológicos e naturais, que remontam técnicas seculares de vinificação. Para que você tenha uma ideia, o seu vinho Gaggiarone Vitigni Giovani tem produção anual de 4 mil unidades, sendo que todas elas são comercializadas na própria Itália ou exportadas para o Brasil, apenas.
À frente da vinícola está o enólogo Annibale Alziati, que, segundo ele próprio, é motivado pela “vontade de redescobrir as emoções de criança, quando viajava com o pai pela Itália em busca de vinhos camponeses. O encanto pelos perfumes e sabores tornou-se uma autêntica paixão, que agora adulto pode finalmente ser cultivada”. Alziati retoma o cultivo tradicional do vinhedo, deixando a natureza seguir o seu curso, sem intervenções artificiais ou invasivas. Os rendimentos naturais são baixos, devido à idade das vinhas, e a fertilização é totalmente natural. Já as práticas de vinificação são manuais, sem adição de sulfitos e sem filtração, para que se obtenha vinhos naturais, cuja elegância se expressa pelo envelhecimento em tanques de cimento e garrafa. Assim nasce o vinho biodinâmico, natural e vegano de Annibale Alziati. Deguste-o em um momento mais íntimo, como quem prova o sabor do tempo e da natureza servida na taça.
by Sommelier Rodrigo Ferraz | Direitos Reservados
Hoje quero lhe pedir licença para expressar uma abordagem pessoal relativa ao desenvolvimento dos vinhos da Puglia. Vamos conversar sobre assuntos pouco discutidos a respeito da vitivinicultura italiana, mas ao mesmo tempo importantes para entendermos mais profundamente os estilos regionais desse país.
Apesar da Itália ser amplamente reconhecida em todo o mundo pela qualidade de seus vinhos, nem todos têm essa mesma impressão dos exemplares da Puglia. Essa região predominantemente agrícola no sul do país (o calcanhar da bota) sofre com alguns estigmas do passado, inclusive por parte de alguns italianos. Por ser financeiramente mais pobre que as luxuosas áreas do norte da Itália, sempre existiu certo preconceito com “aquilo que vem do sul da bota”. Para muitas pessoas de dentro e de fora da Itália, os produtos do norte são rebuscados, elegantes e mais valiosos, enquanto os do sul são simples, rústicos e sem tanto valor.
No entanto, em minha opinião, isso é somente mais um preconceito bobo mesmo. Sabe aquele pensamento malicioso e desprovido de análises aprofundadas daqueles que ainda dizem que “vinho brasileiro não presta”? Então, é mais ou menos por aí o que eventualmente ocorre com a Puglia. A realidade é diferente daquilo que alguns tanto gostam de pregar. Tanto a vitivinicultura brasileira como a da Puglia vêm passando por transformações profundas ao longo dos últimos anos. Apesar de lá eles terem muito mais tempo ligados à cultura do vinho, somente em épocas mais recentes o direcionamento pela qualidade se fez mais presente. É claro que tanto o Brasil como a Puglia ainda têm seus produtos voltados para as massas, e ainda terão por um bom tempo, mas isso não anula os projetos mais rebuscados que vêm se consolidando nesses dois gigantes.
A gente consegue enxergar esse processo evolutivo através da história de algumas produtoras da Puglia e do Brasil. Aqui existe o caso da Cave de Sol, que fez fortuna produzindo vinhos suaves de mesa em Jundiaí (SP) e agora acabou de construir uma das mais luxuosas vinícolas no coração do Vale dos Vinhedos (RS), com o intuito de produzir vinhos finos. Já na Puglia, eu chamo a atenção para a produtora Rocca, que iniciou sua história no final do século XIX, com Francesco Rocca produzindo vinhos a granel. Hoje, a quinta geração da família Rocca se consolida na produção de vinhos de alta qualidade dentro das principais indicações geográficas da Puglia. Quase ia me esquecendo de lhe contar...por um capricho do destino, a família Rocca também se tornou o principal acionista da histórica vinícola Dezzani no Piemonte, norte da Itália.
Como é legal perceber e aceitar as mudanças na trajetória dos produtores de vinho. Aqueles que sobrevivem ao passar do tempo, quase sempre tem algo de bom pra mostrar. Quem vive de passado é museu, só me interessa contemplar sem preconceitos a evolução da cultura do vinho e estar de peito aberto para as descobertas que eu ainda não vivi pra contar.
by Sommelier Rodrigo Ferraz | Direitos Reservados
António Saramago, a lenda do vinho português! Sua trajetória se mistura com o desenvolvimento da vitivinicultura lusitana contemporânea, sendo que no ano de 2020 se consagrou como o mais antigo enólogo de Portugal ainda em atividade. António José Ribeiro Saramago nasceu em Vila Nogueira de Azeitão, no ano de 1948. Seu pai trabalhava no armazém da famosa vinícola José Maria da Fonseca e, por conta disso, logo aos 14 anos António também passou a trabalhar no laboratório de enologia dessa mesma produtora. Ironicamente, no passado ele só gostava de beber água e foi provar o primeiro vinho de sua vida apenas aos 20 anos de idade. Para nossa sorte, o tempo passou, ele ganhou gosto pela vitivinicultura e hoje ele diz: “O vinho é um produto tão nobre que, pouco a pouco, vamos pegando gosto e hoje não passo uma refeição sem ele. Apaixonei-me por isso.”
Saramago permaneceu trabalhando na José Maria da Fonseca por longos 42 anos, tendo sido responsável por alguns dos rótulos mais famosos da indústria portuguesa de vinhos, como o “Periquita” por exemplo. Segundo ele próprio, esse período foi uma “grande escola” para o seu desenvolvimento profissional. Já sua formação acadêmica em enologia ocorreu em Bordeaux, na França, onde pôde aprender com o grande mestre Pascal Ribéreau-Gayon, pioneiro na pesquisa de compostos fenólicos em uvas viníferas e sobre as diferenças fundamentais entre espécies híbridas e vitis vinifera.
Além de ser membro fundador da Associação Portuguesa de Enologia, António Saramago (que não tem parentesco com o escritor e não é envolvido com a política) conquistou mais de 200 prêmios internacionais, incluindo o de melhor enólogo português no ranking “Top Winemaker” do concurso Wine Masters Challenge. Personalidades de peso como Robert Parker e Jancis Robinson já teceram diversos elogios ao profissional português e aos vinhos que carregam sua assinatura, os quais foram criados nos quatro cantos do país. Recentemente António Saramago inaugurou seu projeto autoral de vinhos nas terras do Alentejo e Península de Setúbal, onde tem total liberdade para desenvolver suas criações através de 3 pilares fundamentais: qualidade, identidade e paixão.
“O vinho é um produto vivo, que está nos transmitindo constantemente sensações e, de fato, a experiência ao longo dos anos permite falar com o vinho com facilidade e conhecimento. Toda a minha vida foi dedicada ao vinho e nunca, em momento algum, a minha paixão abrandou. São mais de cinco décadas de descoberta permanente, ao longo das quais fui absorvendo e participando na senda de qualidade trilhada pelo vinho português. Considero hoje que em nada ficamos atrás dos restantes países produtores de vinho de qualidade, consciente que estou da minha própria responsabilidade no que são os vinhoR$164,00s modernos de Portugal. Temos castas fantásticas, vinhas e clima que se harmonizam como em poucos lugares do globo e temos a técnica, a arte e a tecnologia para lhes fazer jus ano após ano, para gáudio dos enófilos de todo o mundo. Queremos que conheça melhor os nossos vinhos, esperando que encontre neles, como nós, a inconfundível marca portuguesa.” – António Saramago.
by Sommelier Rodrigo Ferraz | Direitos Reservados
Perante este momento especial da vitivinicultura brasileira, nos sentimos motivados a criar a linha Vinhos de Bicicleta Terroir, com o intuito de desmistificar as diferentes regiões produtoras do país. Através de vinhos típicos e autênticos, fizemos uma seleção de exemplares que simbolizam o caráter climático, geológico e cultural de cada local.
Em minha mais recente participação como jurado comentarista na Avaliação Nacional de Vinhos, safra 2020, busquei destacar o caminho trilhado até aqui e os pontos que fazem deste um período tão único para a cultura do vinho nacional. Na ocasião, o presidente da Associação Brasileira de Enologia era o amigo e grande profissional Daniel Salvador, que me transferiu a responsabilidade de fazer o discurso de encerramento dentre os comentaristas convidados. Aquele foi um marco importante em minha carreira como sommelier e uma alegria por ser assumidamente um entusiasta do vinho brasileiro. Sendo assim, gostaria de compartilhar com você a essência e as motivações que geraram esse discurso.
Sabemos que nas duas últimas décadas a indústria do vinho passou por reformulações importantes, através de investimentos em pesquisa, mão-de-obra e tecnologia. Isso provocou o amadurecimento desse mercado, o surgimento de novas produtoras nos quatro cantos do país e a criação de rótulos cada vez mais consistentes. No entanto, justo agora que tínhamos acabado de passar pela safra histórica de 2018 e estávamos vivenciando a “safra das safras” em 2020, chegou também a pandemia mundial, gerando medo e incertezas. Tivemos que nos resguardar em nossas casas, a moeda teve abrupta desvalorização e tivemos que repensar as formas de consumo. Em meio ao caos, para muitas pessoas o vinho acabou se transformando em uma bebida amiga e solidária, que conforta, aquece e alegra nossos pensamentos.
Diante disso tudo, o vinho nacional, que já vinha lutando por mais reconhecimento ao longo dos anos, ganhou um espaço importante entre os próprios brasileiros. Foi então que alguns passaram a dizer que isso seria apenas uma questão de momento, algo passageiro, fugaz. Bom, nesse ponto eu discordo em gênero, número e grau. Acredito de verdade que se trata de uma bonita construção erguida ao longo das últimas décadas e que, mais do que nunca, o povo brasileiro está aberto para revisões e transformações internas, tanto na esfera pessoal como social. Como diz o ditado, “mar calmo nunca fez bom marinheiro”, então nos resta usar essa turbulência de 2020 para evoluir, através de serenidade, resiliência e esperança.
Um briR$ nde à vida e a um futuro mais feliz pra todos nós!
by Sommelier Rodrigo Ferraz | Direitos Reservados
Você conhece a uva Gamay? Talvez já tenha ouvido falar de Beaujolais Nouveau, o vinho mais famoso, leve, frutado e refrescante feito com ela, justamente na região de Beaujolais. No entanto, hoje o papo será sobre outro estilo de vinho elaborado com Gamay, mais precisamente na região da Borgonha. Antes de falarmos sobre o vinho em si, vamos conversar a respeito da história dessa casta, pois isso ajudará a interpretar melhor os vinhos modernos produzidos com ela.
Acredita-se que a Gamay apareceu pela primeira vez em 1360, ao sul da cidade de Beaune, considerada o “coração dos vinhos da Borgonha”. Se Dijon é a atual capital administrativa da região, Beaune seria algo como a capital fraterna, recheada de bons restaurantes, bons produtores de vinho e lindos cenários bucólicos. Por volta do ano de 1360, a Peste Negra já estava em declínio, mas a população local havia sofrido muito com essa pandemia. Como a produção de uvas e vinho sempre foi importante para a Borgonha, naquele período a população encontrou na Gamay uma solução comercial engenhosa, já que era mais produtiva e fácil de cultivar que a Pinot Noir. Os frutos de Gamay amadureciam duas semanas antes e os vinhos elaborados com eles eram mais intensos, tânicos e, por causa da alta produtividade da cepa, abundantes.
Anos mais tarde, em julho de 1395, o duque da Borgonha Filipe, o Ousado, proibiu o cultivo dessa uva referindo-se a ela como “desleal, de grande e horrível aspereza”. Segundo ele, era preocupante a ocupação de vinhas de Gamay em terras onde deveriam ser cultivadas vinhas da “mais elegante” Pinot Noir. Sessenta anos depois, Filipe, o Bom, emitiu outro despacho contra a variedade, afirmando que “os duques de Borgonha sempre foram conhecidos como os senhores dos melhores vinhos da cristandade” e a Gamay prejudicaria a manutenção dessa reputação.
Ainda bem que os anos passaram, a argumentação evoluiu e as regras mudaram. Apesar da Pinot Noir continuar sendo a rainha da Borgonha (e sempre será), hoje é permitido o cultivo de Gamay na região. Mais do que isso, com a ajuda do conhecimento e da tecnologia moderna, vêm sendo produzidos vinhos interessantes com ela, que vão muito além do Beaujolais Nouveau. Atualmente os produtores conseguem usar os sabores frutados e a intensidade tânica dessa cepa em benefício do potencial de guarda da bebida, agregando estrutura e complexidade aos vinhos. As vinícolas contemporâneas da Borgonha, de Beaujolais e do Vale do Loire não se restringem mais a utilizar a Gamay somente por conta de sua alta produção de frutos. Agora existem denominações de origem locais que limitam essa produtividade e produtores cujo objetivo é a qualidade de seus rótulos.
Nem só de Pinot Noir vive a Borgonha! Vamos experimentar algo diferente?
by Sommelier Rodrigo Ferraz | Direitos Reservados
Chegou a hora de conversarmos sobre a história de uma uva branca que conquistou meu paladar nos últimos tempos, a Friulano. Como o nome já indica, essa é uma das cepas mais representativas de Friuli, região do norte da Itália que faz divisa com Áustria e Eslovênia. No entanto, surpreendentemente acredita-se que a origem da Friulano não seja italiana, mas sim francesa. Seu berço natural teria sido o sudoeste francês, onde é conhecida como Sauvignon Vert, mas hoje em dia essa não é uma casta muito representativa para a produção de vinhos na França. O contrário disso ocorre na Itália, onde desde 1600 se cultiva a Friulano e seus vinhos tornaram-se verdadeiros clássicos regionais do Friuli. Por muitos séculos, ela foi chamada de Tocai ou Tocai Friulano pelos italianos, mesmo não tendo nenhum parentesco com as uvas emblemáticas da denominação de origem Tokaji, na Hungria.
A partir de 1995, a Corte Européia proibiu o uso dos termos “Tocai” ou “Tokay” quando o vinho não fosse produzido dentro da denominação de origem húngara. Sendo assim, os produtores italianos tiveram que decidir qual seria o nome oficial que eles estampariam em seus rótulos, já que do ponto de vista comercial e biológico Sauvignon Vert poderia até ser uma saída interessante. Foi então que eles não admitiram utilizar um nome de pronúncia francesa e acabaram optando simplesmente por Friulano, que significa “do Friuli”. Os Eslovenos também possuem uma produção expressiva dessa casta, mas, assim como os italianos, não optaram pelo nome original. Por lá, o nome oficial acabou sendo Sauvignonasse.
Como se já não bastassem todas essas mudanças, aqui na América do Sul também houve confusão com essa uva, justamente no Chile, país latino-americano que possui mais áreas plantadas de Sauvignon Vert. Lembrando um pouco o equívoco que ocorreu entre a Carménère e a Merlot, alguns produtores chilenos cometeram o engano de estampar seus rótulos com Sauvignon Blanc, enquanto estavam produzindo vinhos com a Sauvignon Vert. Apesar de não terem correlação genética, ambas as castas compartilham algumas tipicidades como intensidade de aromas, mineralidade e notas cítricas. Esses fatores de semelhança podem ter levado ao mal-entendido chileno, mas, do meu ponto de vista, as cepas produzem vinhos bem diferentes entre si e agora seria legal você mesmo colocar à prova.
O que eu gosto bastante na Friulano é sua capacidade de fazer vinhos incomuns, com evolução constante em garrafa e taça. Por se tratar de um fruto que se adaptou bem a territórios costeiros de clima frio, sua acidez é bastante destacada na maioria das vezes. Apesar disso, a estrutura média e a textura amanteigada do vinho acabam trazendo um equilíbrio delicioso para a acidez. Já a complexidade dos aromas é o ponto mais alto da Friulano, parece um ballet de notas aromáticas, que remetem a lembranças familiares e inusitadas ao mesmo tempo. Espero que você goste dessa variedade tanto quanto eu gostei de conhecê-la. Saúde e boa prova!
by Sommelier Rodrigo Ferraz | Direitos Reservados
O Monte da Raposinha é uma propriedade familiar situada no distrito de Portalegre, mais precisamente na pequena e charmosa vila de Montargil, com aproximadamente 2 mil habitantes. Essa vila fica na parte norte da região do Alentejo, onde se encontra a imponente barragem de Montargil, cuja enorme massa de água acaba gerando um efeito termorregulador para toda a região no entorno, reduzindo as grandes diferenças de temperatura. Esse efeito termorregulador em uma região de verões extremamente quentes como o Alentejo é bastante interessante, pois permite uma maturação mais homogênea e gradual dos frutos. Na prática, o frescor dos vinhos elaborados na Monte da Raposinha deve-se muito a esse processo, já que a propriedade está localizada a apenas 500m da barragem.
Essa produtora artesanal conta com 150 hectares, dos quais apenas 15 são dedicados ao cultivo de vinhas. A sede é composta por duas belíssimas casinhas de arquitetura campestre, rodeadas por vinhedos e olivais na planície alentejana. Vale a visita! Lá provavelmente você será recebido por um membro da família e poderá degustar um vinho ouvindo boas histórias locais. Rosário e Nuno Ataíde são os proprietários, mas um dos filhos do casal, João Nuno Ataíde, também compõe o time junto de sua esposa e enóloga Paula Bragança Ataíde. Inclusive, “Raposinha” era a forma que o pai de Rosário a chamava na infância, por isso ela decidiu transformar esse apelido carinhoso no nome da propriedade, como uma forma de homenagear seu pai.
Na cultura da vinícola existe também uma admirável preocupação com a natureza e com a valorização do microterroir, através de práticas sustentáveis de viticultura. As colheitas são feitas de forma manual e todas as variedades são trabalhadas e vinificadas separadamente, respeitando o caráter singular e varietal de cada casta. Somente no final do processo é que os cortes são elaborados, a partir da experiência enológica da família Ataíde.
O vinho que carrega o nome da produtora é um corte de Touriga Nacional (50%) e Alicante Bouschet (50%), duas castas bastante intensas e tânicas, principalmente quando cultivadas em áreas de clima quente, como é o caso do Alentejo. Não fosse a barragem de Montargil, provavelmente o vinho não teria tanto frescor, pois a acidez dos frutos estaria comprometida pela terra árida e ensolarada da região. É fácil perceber a correta maturação dos frutos neste vinho didático, pois os taninos ricos e abundantes (decorrentes da maturação fenólica) fazem um elegante contraponto com o açúcar/álcool bem integrados e a acidez envolvente (decorrentes da maturação tecnológica). Dessa forma, intensidade, estrutura e frescor se ajustam em uma marcha equilibrada para nosso paladar. Cheers!
by Sommelier Rodrigo Ferraz | Direitos Reservados
Vívidas ou efêmeras, todos nós temos algumas lembranças marcantes da infância, formadas por cheiros, sons, luzes e sentimentos. Assim começa a ser contada a história da Casa Grande de Los Horneros, erguida há mais de 60 anos, quando ali ainda havia pouca gente e a estrada era de terra. Em meio a sítios e fazendas, esse foi o lar do casal Gaitán e Chica, junto de seus três filhos Washington, Juan e Teresa, construído por eles e para eles. Comparada às casas que a rodeiam, a Casa Grande é a maior em tamanho e uma das mais charmosas também. As vinhas envolvem a propriedade, misturando-se ao belo jardim com hibiscos, ameixeiras e romãs. Completando o cenário estão os feijoeiros que Gaitán costumava colher com seus netos, as conservas e massas caseiras da Chica, as tortilhas feitas por Juan, os bolos de doce de leite, os churrascos e os almoços de fim de semana.
Este projeto artesanal traz consigo o respeito pela família e o calor do lar. Ao chegar à Casa Grande, provavelmente o primeiro a lhe cumprimentar será o querido e simpático cão Zíppolo. Logo em seguida virá Washington, para lhe contar sobre sua paixão pela vinha e pela terra. Florencia, a enóloga, vai apresentar os vinhos e revelar a origem de cada rótulo artístico. Se der sorte, ainda poderá provar alguma delícia caseira feita por Francesca, com a possibilidade de trocar algumas receitas.
Essa é a quarta geração de viticultores da família, lutando pela preservação de seu legado através deste belo projeto independente, que surgiu no mesmo galpão onde Gaitán guardava as máquinas utilizadas no vinhedo. Segundo eles, “o vinho é uma expressão que, na sua individualidade, dialoga com quem o degusta”. Eu acredito na filosofia desta família uruguaia, principalmente após degustar seus vinhos, carregados de vivências, sentimentos e personalidade.
Caso queira visitar a Casa Grande e a acolhedora família que a habita, basta pousar em Montevidéu, seguir de carro para o leste na região de Canelones, até chegar no Camino de Los Horneros. Uma terra de brisas suaves e constantes provenientes do Rio da Prata, que evitam temperaturas extremas. Boa viagem e até a próxima degustação.
by Sommelier Rodrigo Ferraz | Direitos Reservados
No início de minha jornada pelo mundo dos vinhos, a Cabernet Sauvignon teve um papel importante no desenvolvimento de meu paladar. Naquela época, por volta de 2005, quando era estudante de publicidade e ainda não havia me aprofundado nos estudos do vinho, eu erroneamente pensava que a Cabernet Sauvignon era uma casta típica de vinhos leves e frutados. É muito provável que essa impressão tenha surgido, porque a grande maioria dos rótulos que provava naquele tempo era de vinhos jovens sul-americanos, feitos para o dia a dia. Basicamente, era o que dava pra comprar.
Com o passar do tempo, fui conhecendo novas variedades, expandindo meu conhecimento e deixando acender cada vez mais a paixão pela vitivinicultura. De forma inversamente proporcional, a Cabernet Sauvignon foi perdendo destaque entre minhas preferências. Comecei a pensar que ela era comum demais e, portanto, não seria capaz de entregar uma degustação rica como as outras castas. Pois é, eu estava enganado e foi assim que cometi o segundo erro com a Cabernet Sauvignon.
Ainda bem que estudar e degustar vinhos é também uma constante lição sobre nosso próprio grau de humildade perante o desconhecido. Como diria o renomado enólogo Felipe Müller, da Viña Tabalí, “as possibilidades de experimentação são infinitas, isso é o que apaixona nesse trabalho”. Verdades absolutas e preconceito sempre irão jogar contra nossa relação com a cultura do vinho. Foi pensando dessa maneira que voltei a me interessar pela “comum” Cabernet Sauvignon. É claro que existem muitos vinhos industrializados e simples feitos com ela, afinal se trata da cepa mais cultivada no planeta. No entanto, assim como acontece com todas as variedades viníferas do mundo, o terroir e a mão do enólogo no processo de vinificação podem transformar aquilo que é comum em algo extraordinário.
No início de 2021, tive a chance de conhecer um desses projetos surpreendentes de Cabernet Sauvignon e, por isso, resolvi compartilhar com você. Elaborado em apenas 2,5 hectares de vinhas orgânicas pela Finca La Promesa, o Bo Bó Bourgeois é daqueles vinhos de guarda, aveludados, que exploram várias camadas de aromas e sabores da casta. Um rótulo pra ser degustado devagar, em petit comité, acompanhando o vagaroso passar do tempo e da feliz quebra de nossos paradigmas. Cheers!
by Sommelier Rodrigo Ferraz | Direitos Reservados
Finca La Promesa é uma de minhas produtoras prediletas de Mendoza, com motivos de sobra pra isso! Acredito que não seja segredo pra ninguém minha enorme admiração pelas vinícolas que possuem seus projetos artesanais, feitos em menor escala, com total destaque para o microterroir. Essa é uma vinícola que dá muito valor para esse estilo de vinificação e particularidades como cultivo orgânico de vinhas, leveduras indígenas e utilização de rolhas biodegradáveis. Esses fatores acabam construindo uma essência interessante, que serve de base para todos os vinhos produzidos por ela.
A produtora está situada na zona de Agrelo, dentro da famosa denominação de origem Luján de Cuyo, com altitude de mil metros sobre o nível do mar. Seus vinhedos estão localizados a 35 quilômetros da cidade de Mendoza, bem aos pés do Cordón del Plata, uma cadeia montanhosa que pertence ao Cordão Frontal da imponente Cordilheira dos Andes. Não à toa, a família responsável pela Finca La Promesa escolheu esse local para se instalar depois de um longo processo de busca. Segundo eles, ao descobrirem a fazenda foi “amor à primeira vista”. Ali conseguiram casar a beleza de uma terra estonteante, com a promessa de produzir vinhos que os representassem para o mundo.
Visto de cima, o vinhedo inteiro da Finca La Promesa tem o formato exato de um trapézio, porém existem diversas subdivisões para delimitar suas diferentes parcelas. É feito um estudo de terroir para que cada lote de vinha seja cultivado da forma mais adequada, considerando tipos de solo, inclinação solar, diferentes uvas, entre outros fatores. Vale ressaltar também que Luján de Cuyo tem uma precipitação média anual de apenas 220 mililitros, mas o degelo dos Andes acaba compensando essa falta de chuvas. Através de estudos modernos, foi possível reconhecer que a água desse degelo possui propriedades químicas únicas, as quais acabam refinando os aromas e sabores dos vinhos produzidos aos pés da cordilheira andina.
A partir desse berço esplêndido, nasce o Petit Bo Bó Trapezio Tinto Blend, um dos vinhos produzidos pela Finca La Promesa que mais gosto. Seu corte de Merlot (50%), Cabernet Franc (30%) & Malbec (20%) acabou gerando uma complexidade muito interessante e não habitual, assim como o próprio nome do vinho, que deriva das palavras “Bourgeois” (burguês) e “Bohemian” (boêmio). Resumo da ópera...temos aqui uma inspiração inusitada do produtor, um corte inusitado de Mendoza, um deleite inusitado para seu paladar. Boa degustação!
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Do ponto de vista histórico, cultural e comercial, um dos principais redutos do mundo do vinho é Bordeaux, na França. Existe uma real fascinação de grandes mercados internacionais pelos elegantes vinhos produzidos nessa região. Aliás, acho legal citar uma curiosidade: no ano de 2013 foi produzido um documentário no qual o tema principal é o êxtase dos consumidores de alto padrão chineses com os vinhos franceses, incluindo os de Bordeaux. Caso lhe interesse, o nome do documentário é “Red Obsession”. Como o território de Bordeaux é extenso e sua capacidade produtiva é elevada, nós, meros mortais, também podemos nos deliciar com alguns achados de lá. É preciso garimpar bastante, pois a relação custo-benefício nem sempre é das mais vantajosas, afinal estamos falando de uma das regiões do vinho mais famosas e cobiçadas do planeta. Ainda assim é possível encontrar rótulos interessantes de produtores familiares a preços razoavelmente acessíveis.
Sob a perspectiva dessa comparação direta entre valor e qualidade da bebida, uma das sub-regiões de Bordeaux que repetidamente me traz boas experiências é Haut-Médoc. No entanto, esse local nem sempre teve vocação para a produção de vinhos. Durante extenso período de sua história, os aproximados 60 km de diâmetro de Haut-Médoc eram pântanos salgados usados quase que exclusivamente para pastagem de animais. Somente no século XVII, que mercadores holandeses iniciaram um ambicioso projeto de drenagem para converter o pântano em terra para viticultura. A intenção desse projeto era oferecer novas alternativas para o mercado consumidor britânico (o principal da época) e confrontar os portugueses, que estavam dominando o mercado. O projeto foi um sucesso e no século XIX essa parte da margem esquerda do Estuário de Gironde já figurava como uma das áreas mais prósperas da França.
Haut-Médoc possui um terroir consagrado e denominações de origem que hoje são verdadeiras pérolas do universo vitivinícola, entre elas estão: Saint-Julien, Pauillac, Saint-Estèphe e Margaux (onde está localizado o ilustre Château Margaux, cujas garrafas chegam a custar alguns milhares de reais). Já as principais cepas da região são Merlot, Petit Verdot, Cabernet Franc e Cabernet Sauvignon, sendo que esta última corresponde a mais da metade dos vinhedos cultivados por lá, ou seja, é a grande estrela local.
Um produtor de Haut-Médoc digno de referência é o charmoso Château Maison Blanche, com destaque para o rótulo Demoiselle de Maison Blanche. Essa vinícola boutique foi construída em 1832 e recebeu a distinção oficial de “Cru Bourgeois” em 1932. É interessante salientar que antes de ser adquirido pela família Bouey em 1998, o château havia sido passado de geração em geração por uma linhagem somente de mulheres. Seus vinhos carregam consigo elegância, estrutura e terroir, três elementos-chave quando o assunto é Haut-Médoc. Santé!
by Sommelier Rodrigo Ferraz | Direitos Reservados
“...Ó gente ousada, mais que quantas
No mundo cometeram grandes cousas...”
Canto V de “Os Lusíadas”, escrito por Luís Vaz de Camões.
O trecho marca a fala do gigante Adamastor, outrora dominante no Cabo das Tormentas, vencido pelo ímpeto e pela coragem dos navegantes portugueses, que abriram caminho pelo agora Cabo da Boa Esperança. O gigante aponta a audácia daqueles que não repousam dos trabalhos e das batalhas, se atrevendo a romper os limites e a navegar por mares nunca antes navegados. Essa exata passagem está retratada de forma muito bonita no rótulo do Portal Colheita. Um vinho elaborado no Douro como um manifesto da destemida alma lusitana.
Para que entenda melhor a essência desse exemplar, vou relatar a você o histórico de sua criadora, a Quinta do Portal. Tal casa portuguesa, familiar e independente, abraça com paixão o conceito de “vencer barreiras”. Esse projeto materializou-se no início dos anos 1990 com base na Quinta dos Muros, uma propriedade centenária da família Mansilha, que vinha produzindo vinhos há 4 gerações. O plano era trazer inovação para a prestigiada região do Douro, sem negar as raízes, porém indo além dos já consagrados Vinhos do Porto. A partir dessa visão de futuro, os responsáveis pela Quinta do Portal fizeram parte do primeiro grupo da nova geração de produtores durienses que, em boa hora, acreditaram no potencial dos vinhos tranquilos da região. A espinha dorsal enológica desse programa inovador contou com Paulo Coutinho, enólogo da vinícola desde 1994, e nomes como Pascal Chatonnet (um dos maiores pesquisadores da enologia mundial) e o “Master Blender” Jeremy Bull.
Algum tempo após o início do projeto, foi adquirida também a Quinta do Casal de Celeirós, que acabou trocando de nome para Quinta do Portal. Essa propriedade de 15 hectares possui notáveis referências do final do século XIX. Em 1877, Henry Vizetelly, autor de Facts about Port and Madeira, chamava a atenção para o fato desta Quinta ainda não ter sido atingida pela praga filoxera. Já em 1886, o Visconde de Vilarinho de São Romão chamou-lhe de verdadeira Quinta Modelo e escreveu: “é o único exemplo que conhecemos de uma propriedade vitícola a atravessar incólume a crise da filoxera”. É também historicamente reconhecida por ter sido a primeira Quinta no Douro a empregar mulheres na pisa das uvas. Como um símbolo de perseverança histórica, a Quinta do Portal se tornou o principal reduto do projeto, onde hoje se concentra a vinificação de uvas provenientes de 5 terroirs distintos dentro do Douro, o armazenamento dos vinhos e o enoturismo.
Sejam elas acanhadas ou épicas, um brinde às conquistas de nossas vidas!
by Sommelier Rodrigo Ferraz | Direitos Reservados
Hoje vamos conversar sobre uma das importantes famílias que, através de suas gerações, ajudaram a construir a vitivinicultura argentina. Originalmente de Gênova, na Itália, a família Basso vem produzindo vinhos no país latino-americano desde 1922. Como muitas outras famílias de imigrantes daquele período, no início eles elaboravam vinhos mais comerciais, vendidos em grandes barris de 220 litros. Alguns anos mais tarde, em 1935, Adolfo Basso e seu irmão Tulio compraram a vinícola Santa Ana, que até então não era muito conhecida, mas nas mãos dos irmãos Basso acabou se tornando uma das maiores produtoras da Argentina. Nessa operação a família Basso pôde começar a trabalhar com rótulos de maior qualidade, porém o foco continuava sendo a produção em grandes volumes.
Os anos passaram, a família cresceu, o sucesso de sua indústria se consolidou e um dos herdeiros deste império do vinho começou a pensar diferente. Sua idéia era criar um projeto autoral e direcionar seus esforços para uma operação mais enxuta, onde a qualidade prevalecesse sobre a quantidade. No final da década de 1990, a partir de uma decisão arrojada, Carlos Basso vendeu a Santa Ana e usou parte desse capital para comprar e restaurar uma pequena vinícola abandonada no bairro de Carrodilla, em Luján de Cuyo, 11km ao sul da cidade de Mendoza. A construção era do ano de 1930 e até 1965 ali funcionara uma vinícola, que esteve inoperante desde então. A família Basso adquiriu a propriedade em 1997 e começou todo o processo de revitalização, resultando no que hoje conhecemos como Bodega Amalia. Diversas paredes antigas foram substituídas por estruturas metálicas com painéis isolantes, ajustados sobre as fundações originais, para que se pudesse preservar a bela aparência do edifício.
Atualmente Carlos Basso e seu filho Adolfo conduzem essa aconchegante vinícola boutique. Apesar de estar sediada em Luján de Cuyo, seus vinhedos estão localizados no fantástico terroir do Valle de Uco, a aproximadamente 100km da capital Mendoza. Um deles fica na microrregião de Tunuyán, mais precisamente na área de Los Árboles, bem aos pés da Cordilheira dos Andes, em uma altitude de 1150 metros acima do nível do mar. Essas vinhas foram plantadas nos anos de 1997 e 1998, em uma paisagem praticamente desértica, com solos arenosos e pedregosos. Já o outro vinhedo está ainda mais ao sul, no departamento de San Carlos, o mais antigo da província de Mendoza, fundado em 1772 e batizado assim por causa de um forte espanhol do século XVIII. Ali as vinhas resistem a invernos rigorosos e verões escaldantes, em uma altitude de 1050 metros acima do nível do mar. Para que se tornasse possível a irrigação por gotejamento nesse vinhedo, a família Basso precisou cavar 180 metros abaixo da superfície até encontrar a água.
O projeto de Carlos Basso é um livro cujo enredo ainda está sendo escrito, uma história de sucesso, resgate às origens e perpetuidade. Através de seus vinhos e sua visão, podemos provar o conceito de lugar, a força de um legado e a exuberância andina. Vida longa à família Basso.
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Hoje vamos conversar sobre uma das importantes famílias que, através de suas gerações, ajudaram a construir a vitivinicultura argentina. Originalmente de Gênova, na Itália, a família Basso vem produzindo vinhos no país latino-americano desde 1922. Como muitas outras famílias de imigrantes daquele período, no início eles elaboravam vinhos mais comerciais, vendidos em grandes barris de 220 litros. Alguns anos mais tarde, em 1935, Adolfo Basso e seu irmão Tulio compraram a vinícola Santa Ana, que até então não era muito conhecida, mas nas mãos dos irmãos Basso acabou se tornando uma das maiores produtoras da Argentina. Nessa operação a família Basso pôde começar a trabalhar com rótulos de maior qualidade, porém o foco continuava sendo a produção em grandes volumes.
Os anos passaram, a família cresceu, o sucesso de sua indústria se consolidou e um dos herdeiros deste império do vinho começou a pensar diferente. Sua idéia era criar um projeto autoral e direcionar seus esforços para uma operação mais enxuta, onde a qualidade prevalecesse sobre a quantidade. No final da década de 1990, a partir de uma decisão arrojada, Carlos Basso vendeu a Santa Ana e usou parte desse capital para comprar e restaurar uma pequena vinícola abandonada no bairro de Carrodilla, em Luján de Cuyo, 11km ao sul da cidade de Mendoza. A construção era do ano de 1930 e até 1965 ali funcionara uma vinícola, que esteve inoperante desde então. A família Basso adquiriu a propriedade em 1997 e começou todo o processo de revitalização, resultando no que hoje conhecemos como Bodega Amalia. Diversas paredes antigas foram substituídas por estruturas metálicas com painéis isolantes, ajustados sobre as fundações originais, para que se pudesse preservar a bela aparência do edifício.
Atualmente Carlos Basso e seu filho Adolfo conduzem essa aconchegante vinícola boutique. Apesar de estar sediada em Luján de Cuyo, seus vinhedos estão localizados no fantástico terroir do Valle de Uco, a aproximadamente 100km da capital Mendoza. Um deles fica na microrregião de Tunuyán, mais precisamente na área de Los Árboles, bem aos pés da Cordilheira dos Andes, em uma altitude de 1150 metros acima do nível do mar. Essas vinhas foram plantadas nos anos de 1997 e 1998, em uma paisagem praticamente desértica, com solos arenosos e pedregosos. Já o outro vinhedo está ainda mais ao sul, no departamento de San Carlos, o mais antigo da província de Mendoza, fundado em 1772 e batizado assim por causa de um forte espanhol do século XVIII. Ali as vinhas resistem a invernos rigorosos e verões escaldantes, em uma altitude de 1050 metros acima do nível do mar. Para que se tornasse possível a irrigação por gotejamento nesse vinhedo, a família Basso precisou cavar 180 metros abaixo da superfície até encontrar a água.
O projeto de Carlos Basso é um livro cujo enredo ainda está sendo escrito, uma história de sucesso, resgate às origens e perpetuidade. Através de seus vinhos e sua visão, podemos provar o conceito de lugar, a força de um legado e a exuberância andina. Vida longa à família Basso.
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O assunto de hoje é Campos de Cima da Serra e os pioneiros que estão dando forma a sua cultura regional do vinho. Essa é uma das zonas vitivinícolas brasileiras mais elevadas, com altitudes que variam de 900 a 1.100 metros sobre o nível do mar. Apesar de estar localizado no Rio Grande do Sul, esse terroir se assemelha bastante ao de São Joaquim e Urubici, em Santa Catarina, com explícita vocação para vinhos brancos e tintos leves. De acordo com Mauro Celso Zanus, pesquisador de enologia da Embrapa, em função das temperaturas diurnas e noturnas serem mais baixas, as videiras dessa região têm um ciclo vegetativo mais longo, brotam mais tarde e são colhidas cerca de 30 e 45 dias posteriormente às demais regiões do Rio Grande do Sul. “Os metabolismos primários (açúcares e ácidos orgânicos) e secundários (pigmentos e precursores aromáticos) dos frutos são mais lentos e diferenciados”, segundo o pesquisador. Esse conjunto de fatores resulta em vinhos cuja elegância é o fator mais marcante, com alta complexidade de delicados aromas e sabores. Fazendo um paralelo com regiões consagradas do mundo dos vinhos, podemos dizer que Campos de Cima da Serra é uma espécie de “Borgonha brasileira”.
Encantada por esse terroir distinto, a família Lemos de Almeida decidiu iniciar a construção de sua vinícola na região em 2005. As primeiras mudas de videiras foram plantadas no ano de 2009 e a primeira colheita ocorreu apenas em 2012. Essa bela propriedade de 12 hectares chama-se Fazenda Santa Rita, onde são cultivadas as castas francesas Pinot Noir, Chardonnay, Merlot e Sauvignon Blanc, além das variedades Touriga Nacional, Tinta Roriz, Alvarinho e Verdelho, sendo esta última inédita no Brasil. O principal motivo da aposta em cepas tradicionais portuguesas foi um resgate às raízes lusitanas da família. Localizada na cidade de Muitos Capões, esta é a única produtora com características açorianas no Brasil, que ao receber seus visitantes celebra a arte, a arquitetura, a história e a cultura de suas origens nos Açores.
O fundador e proprietário é o senhor Agamenon Lemos de Almeida, que conduz a operação da vinícola com a ajuda de sua filha Bibiana. Juntos, eles formataram cada detalhe do projeto para que se tornasse uma ode ao passado. Desde a arquitetura até os objetos de decoração, tudo foi pensado para abrir uma nova página do legado açoriano no Brasil. O prédio da unidade de produção contornado pelos vinhedos é uma réplica da Casa da Alfândega de Florianópolis. São 1.175m² de construção decorados com quadros dos artistas plásticos Jesus Fernandes e Carlos Rigotti, além de dezenas de painéis de azulejos e os clássicos trabalhos em renda de bilro. Na cave existe também um imenso mural com os nomes das tradicionais famílias que formaram a identidade do povo gaúcho. Esse é mais um exemplo de bom gosto e investimento no fortalecimento da cultura do vinho nacional. Deguste um vinho Lemos de Almeida e boa viagem no tempo pra você.
by Sommelier Rodrigo Ferraz | Direitos Reservados
A ascendência deste vinho é improvável e peculiar, assim como a trajetória de seu criador, o caiçara de Caraguatatuba André Manz. Enquanto ainda jovem, André se formou em educação física e iniciou sua carreira de goleiro no Esporte Clube Taubaté. Logo fez algum sucesso como profissional, jogou o campeonato cearense e, na década de 1980, almejando um destaque ainda maior nos campos, aceitou um convite para jogar em Portugal. No entanto, logo em seu primeiro ano pelas terras lusitanas acabou quebrando o pulso em um acidente. Foi então que o jovem goleiro precisou abdicar de seus planos futebolísticos e, como uma saída para manter sua renda, decidiu empreender no ramo da ginástica aeróbica coreografada nas academias europeias. Seu negócio acabou dando muito certo e, anos mais tarde, já sendo reconhecido como um empresário de sucesso, adquiriu uma propriedade na freguesia de Cheleiros, na região de Lisboa.
É importante ressaltar nesta história que a freguesia de Cheleiros teve um passado de glórias no mundo vitivinícola, porém em épocas mais recentes a cultura do vinho não estava mais tão viva por lá. O motivo por trás dessa circunstância é o modus operandi do mundo moderno, no qual boa parte da população de Cheleiros não quis mais seguir o caminho das gerações passadas. Muitos acabaram se mudando de lá, em busca de melhores oportunidades em cidades mais turísticas ou industrializadas. Mal sabia o empresário André Manz que sua vinda para Cheleiros acabaria transformando esse cenário e, de certa forma, ajudando a reascender a tradição do vinho na região.
Em um primeiro momento, sua ideia era apenas construir um novo escritório para suas empresas nos arredores de Lisboa. A partir desse plano, ele encontrou uma propriedade de 5 mil metros quadrados chamada Pomar do Espírito Santo, que estava completamente abandonada, com antigos vinhedos e grandes muros de pedra corroídos pelo tempo. Antes que tudo fosse substituído pelas novas instalações de suas empresas, André decidiu revitalizar e estudar o passado daquela terra. Chegou até a descobrir uma cepa branca chamada Jampal, tida como extinta em Portugal, que, por acaso, estava ali plantada em seu quintal praticamente. Inclusive, para conseguir identificar a casta e conhecer sua história, foi preciso enviar amostras dessa uva para uma universidade de enologia.
Reverenciando as tradições mais antigas daquele local, ele decidiu buscar ajuda e vinificar as uvas de suas vinhas para consumo próprio, sem grandes pretensões. Através da vinificação como hobby, André enxergou potencial naquele terroir e assim o projeto do novo escritório deu lugar à criação de uma vinícola. Essa feliz mistura de respeito ao legado e visão de futuro trouxe uma energia nova à freguesia de Cheleiros, a qual acabou sendo colocada novamente no mapa do vinho português. Curioso, não!? Um brasileiro caiçara, de família húngara, ex-jogador de futebol, atualmente empresário (e surfista nas horas vagas) tornou-se um grande personagem de uma das regiões mais antigas do mundo do vinho. Onde os romanos um dia cultivaram suas vinhas, hoje André Manz constrói uma nova história.
by Sommelier Rodrigo Ferraz | Direitos Reservados
Seu belíssimo território faz divisa com a Suíça (ao norte) e com outras importantes regiões italianas do vinho, como Piemonte, Vêneto e Emilia-Romagna. Além dos lagos e rios alimentados pelas imponentes geleiras alpinas, entre as cadeias montanhosas da Lombardia estão situadas algumas “Cidades das Artes”, como Bérgamo (com sua imponente arquitetura medieval), Mantova (reconhecida por seu festival literário) e Cremona (onde o célebre luthier Antonius Stradivarius tinha sua oficina de violinos). Dentro deste cenário que mistura jardins exuberantes à beira de grandes lagos e paisagens alpinas existe também um núcleo gastronômico respeitável, com a maior concentração de restaurantes com estrelas Michelin na Itália. Não à toa, por lá foram criados alguns dos alimentos mais apreciados do mundo, entre eles estão Panetone, Queijo Gorgonzola, Risotto Milanese (com açafrão) e Ossobuco.
Algo que me agrada muito é o curioso fato de que, apesar da Lombardia ser a área mais populosa do país e representar uma potência industrial e comercial, lá são produzidos alguns dos vinhos mais artesanais e limitados de toda a Itália. Um fator importante de seu terroir é que grande parte dos vinhedos é cultivada nas encostas das colinas e montanhas, afinal trata-se de uma região de clima mais frio, então é preciso aproveitar ao máximo os raios solares e a drenagem do solo. Outro aspecto interessante é que essas encostas estão em altitudes mais elevadas, sendo assim, as vinhas podem contar com a imprescindível amplitude térmica para correta maturação das uvas. Enquanto o sol bate diretamente nos frutos durante o dia, gerando açúcares e taninos, o frio da noite garante a preservação da acidez e do frescor. Para que você prove toda a elegância deste terroir histórico, selecionei um rótulo da Cantina Colli Morenici, criada no ano de 1959 em Ponti sul Mincio, no lado sul do Lago de Garda. Buon appetito!
by Sommelier Rodrigo Ferraz | Direitos Reservados
Seu belíssimo território faz divisa com a Suíça (ao norte) e com outras importantes regiões italianas do vinho, como Piemonte, Vêneto e Emilia-Romagna. Além dos lagos e rios alimentados pelas imponentes geleiras alpinas, entre as cadeias montanhosas da Lombardia estão situadas algumas “Cidades das Artes”, como Bérgamo (com sua imponente arquitetura medieval), Mantova (reconhecida por seu festival literário) e Cremona (onde o célebre luthier Antonius Stradivarius tinha sua oficina de violinos). Dentro deste cenário que mistura jardins exuberantes à beira de grandes lagos e paisagens alpinas existe também um núcleo gastronômico respeitável, com a maior concentração de restaurantes com estrelas Michelin na Itália. Não à toa, por lá foram criados alguns dos alimentos mais apreciados do mundo, entre eles estão Panetone, Queijo Gorgonzola, Risotto Milanese (com açafrão) e Ossobuco.
Algo que me agrada muito é o curioso fato de que, apesar da Lombardia ser a área mais populosa do país e representar uma potência industrial e comercial, lá são produzidos alguns dos vinhos mais artesanais e limitados de toda a Itália. Um fator importante de seu terroir é que grande parte dos vinhedos é cultivada nas encostas das colinas e montanhas, afinal trata-se de uma região de clima mais frio, então é preciso aproveitar ao máximo os raios solares e a drenagem do solo. Outro aspecto interessante é que essas encostas estão em altitudes mais elevadas, sendo assim, as vinhas podem contar com a imprescindível amplitude térmica para correta maturação das uvas. Enquanto o sol bate diretamente nos frutos durante o dia, gerando açúcares e taninos, o frio da noite garante a preservação da acidez e do frescor. Para que você prove toda a elegância deste terroir histórico, selecionei um rótulo da Cantina Colli Morenici, criada no ano de 1959 em Ponti sul Mincio, no lado sul do Lago de Garda. Buon appetito!
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O rótulo que apresento hoje foi produzido pela Terre di Giafar, uma cooperativa vitivinícola italiana nascida no verão de 2008, em meio a uma crise econômica em seu país. Como uma forma de louvor à resiliência, os fundadores decidiram tomar como lema a expressão em latim “per aspera ad astra”, que significa algo como “através de dificuldades para as estrelas”. O local escolhido para a construção da sede foi o centro urbano de Paceco, uma pequena comuna com pouco mais de 10 mil habitantes localizada na Província de Trapani, no extremo oeste da ilha da Sicília. Além de fascinante e belíssima, essa é uma região muito interessante do ponto de vista histórico. Logo do outro lado do Mar Mediterrâneo, a aproximadamente 200 km, está a cidade costeira de Tunes (capital da Tunísia), portanto trata-se de uma zona comercial e politicamente aquecida desde as civilizações ancestrais. Da antiguidade clássica até os tempos contemporâneos, esse pedaço da Itália serviu de abrigo para diversas culturas, por onde já passaram gregos, cartaginenses, fenícios, vândalos, árabes, entre outros povos que deixaram sua marca no local.
Especificamente a vitivinicultura surgiu na Sicília através de colonos gregos, por volta do século VIII a.C., e nunca mais saiu dali. Por uma série de bons fatores como clima, solo e legado humano, a produção de vinhos se espalhou pela região e prosperou através do tempo, até ganhar evidência internacional no século XVIII, época em que foi criado o Marsala (Também é nome de cidade da província de Trapani. O próprio nome Marsala é derivado da expressão árabe Marsah-el-Allah, que significa “Portão de Deus” – influência árabe na região). O terroir ideal para produção desse vinho fortificado e intenso é um clima quente e seco, além de solo árido, exatamente como ocorre na parte oeste da ilha. Ali se formou uma concentração que hoje representa a área de vinhedos mais extensa da Sicília (e de toda a Itália), a qual percorre a planície e as baixas colinas da província de Trapani.
Apesar de toda a fama, não apenas de produzir Marsala vive a província de Trapani, que já serve de reduto para criação de outros vinhos expressivos e igualmente potentes. Até mesmo castas francesas são encontradas por lá, com destaque para variedades que se adaptam bem a climas quentes e secos. Quero destacar o Syrah produzido pela Terre di Giafar, no qual se percebe a essência do oeste siciliano, através de sua coloração densa e seus aromas plurais e pujantes. Como se já não bastasse o verão ardente do mediterrâneo, o produtor decidiu acrescentar ainda mais intensidade ao vinho, utilizando-se do método “salasso”, sangria, no qual a parte líquida do mosto é reduzida para concentrar o bagaço antes do início da fermentação. Um brinde aos vinhos que trazem calor às nossas taças.
by Sommelier Rodrigo Ferraz | Direitos Reservados
A Geórgia é o único país do mundo onde os métodos de vinificação que foram desenvolvidos até 8.000 anos atrás não apenas nunca foram abandonados, mas continuam sendo práticas constantes.” - Andrew Jefford, jornalista inglês do Financial Times. Esse país fica na borda oriental do Mar Negro, onde a Europa e a Ásia se cruzam. Faz fronteira com a Rússia, Azerbaijão, Armênia e Turquia, sendo que sua quilometragem quadrada é ligeiramente menor que a área de Portugal. A Geórgia se estende entre as imponentes montanhas do Grande Cáucaso ao norte e as elevações do Cáucaso Menor ao sul. As águas ricas em minerais drenadas das cordilheiras caucasianos chegam aos vales férteis que constituíram o berço original do vinho, cujos registros arqueológicos datam do período neolítico (ocorrido entre 7000 a.C. e 2500 a.C.).
Devido aos muitos milênios de vitivinicultura e seu importante papel econômico, as tradições do vinho são consideradas entrelaçadas e inseparáveis da identidade nacional. A amada estátua da “Mãe Geórgia” com vista para a capital do país, Tbilisi, segura uma espada em uma mão e uma taça de vinho na outra - símbolos da força de seu povo e seu respeito às tradições. Atualmente seu cultivo quantitativo de uvas ocupa o segundo lugar dentre os países irmãos da ex-União Soviética, atrás da Moldávia, porém os vinhos georgianos sempre foram os mais valorizados e procurados no espaço soviético. São milhares de pequenos produtores que compõem a indústria contemporânea do vinho, usando principalmente técnicas tradicionais de vinificação.
O clima local é amplamente influenciado pela grande massa de água do Mar Negro, sendo assim, condições extremas são raras. Os verões tendem a ser ensolarados e os invernos amenos, com pouca incidência de geadas, formando um ecossistema interessante para o cultivo de videiras. Uma curiosidade sobre a viticultura georgiana é que, devido a sua magnitude histórica, é possível encontrar vinhas crescendo entrelaçadas em árvores frutíferas, eventualmente dependuradas nos troncos, com cachos de uvas pendentes. Este método de cultivo é denominado “maglari”.
Vale fazer uma menção honrosa final para uva tintureira Saperavi, autóctone da Geórgia e provavelmente uma das cepas mais antigas ainda existentes no mundo. Essa variedade é muito popular em seu país, representando uma parcela expressiva na produção nacional. Seu significado literal é “pintar, tingir, dar cor”, posto isto, você já deve imaginar como é um vinho feito com ela: tânico, intenso, marcante e longevo. Já sua origem mais exata é a região de Kakheti, no extremo leste da Geórgia, que faz divisa com o Azerbaijão. Nesta área está localizada a denominação de origem Mukuzani, onde a casta fundamental é a Saperavi e cujos vinhos são considerados alguns dos mais nobres de toda a Geórgia.
by Sommelier Rodrigo Ferraz | Direitos Reservados
O cenário mudou de forma expressiva a partir da ascensão da aristocracia e das classes de comerciantes. Nesse período foi estabelecido um sistema de parceria agrícola conhecido como “mezzadria”, no qual o proprietário fornece a terra e os recursos para o plantio em troca da metade ("mezza") da safra anual. Muitos transformavam sua metade da colheita em vinho, cujas garrafas depois seriam vendidas para os mercadores da capital Florença. Para que você tenha uma ideia de volume e importância desse mercado, no século XIV d.C. eram vendidos cerca de 8 milhões de galões americanos de vinho todos os anos em Florença. Portanto, aquela espécie de arrendamento de terras acabou sendo o berço da indústria que conhecemos hoje, com diversas vinícolas artesanais espalhadas por todo o território da Toscana.
Com seu povo, sua comida e sua arte, hoje essa é uma área vitivinícola mundialmente famosa e importante. Devido à ancestralidade, a agricultura pincela as belíssimas cores de sua paisagem, sendo que “os três grandes” – vinhas, oliveiras e trigo – sempre dividiram espaço nas vastas colinas da Toscana. Especificamente na viticultura, a Sangiovese é destaque como principal uva regional, compondo desde varietais clássicos até cortes modernos. Mesmo considerando os famosos Super Toscanos, nos quais a regra é não se apegar às tradições locais, essa cepa muitas vezes é utilizada como um apoio para variedades francesas. Além da Sangiovese, existem muitas castas italianas autóctones sendo cultivadas por lá, como Canaiolo, Colorino e Ciliegiolo, mas nenhuma com tamanha evidência. Geralmente essas outras são usadas em partes menores do corte, porém em casos raros e inusitados acabam ganhando protagonismo.
Depois de Piemonte e Vêneto, a Toscana produz o terceiro maior volume de vinhos de qualidade da Itália sob as designações D.O.C. e D.O.C.G., inclusive algumas delas são deveras ilustres: Brunello di Montalcino, Chianti, Morellino di Scansano, Nobile di Montepulciano. Em minha opinião, o eixo que as une é o potencial gastronômico. São exemplares muito versáteis à mesa, que acompanham uma infinidade de pratos, sejam eles servidos em ocasiões formais ou informais. Outra semelhança entre os vinhos toscanos são os toques aromáticos rústicos, que sempre aparecem para deixar a degustação ainda mais complexa, no bom sentido é claro. Agora é com você, inspire-se na harmonização sem medo de errar e boa degustação!
by Sommelier Rodrigo Ferraz | Direitos Reservados
O cenário mudou de forma expressiva a partir da ascensão da aristocracia e das classes de comerciantes. Nesse período foi estabelecido um sistema de parceria agrícola conhecido como “mezzadria”, no qual o proprietário fornece a terra e os recursos para o plantio em troca da metade ("mezza") da safra anual. Muitos transformavam sua metade da colheita em vinho, cujas garrafas depois seriam vendidas para os mercadores da capital Florença. Para que você tenha uma ideia de volume e importância desse mercado, no século XIV d.C. eram vendidos cerca de 8 milhões de galões americanos de vinho todos os anos em Florença. Portanto, aquela espécie de arrendamento de terras acabou sendo o berço da indústria que conhecemos hoje, com diversas vinícolas artesanais espalhadas por todo o território da Toscana.
Com seu povo, sua comida e sua arte, hoje essa é uma área vitivinícola mundialmente famosa e importante. Devido à ancestralidade, a agricultura pincela as belíssimas cores de sua paisagem, sendo que “os três grandes” – vinhas, oliveiras e trigo – sempre dividiram espaço nas vastas colinas da Toscana. Especificamente na viticultura, a Sangiovese é destaque como principal uva regional, compondo desde varietais clássicos até cortes modernos. Mesmo considerando os famosos Super Toscanos, nos quais a regra é não se apegar às tradições locais, essa cepa muitas vezes é utilizada como um apoio para variedades francesas. Além da Sangiovese, existem muitas castas italianas autóctones sendo cultivadas por lá, como Canaiolo, Colorino e Ciliegiolo, mas nenhuma com tamanha evidência. Geralmente essas outras são usadas em partes menores do corte, porém em casos raros e inusitados acabam ganhando protagonismo.
Depois de Piemonte e Vêneto, a Toscana produz o terceiro maior volume de vinhos de qualidade da Itália sob as designações D.O.C. e D.O.C.G., inclusive algumas delas são deveras ilustres: Brunello di Montalcino, Chianti, Morellino di Scansano, Nobile di Montepulciano. Em minha opinião, o eixo que as une é o potencial gastronômico. São exemplares muito versáteis à mesa, que acompanham uma infinidade de pratos, sejam eles servidos em ocasiões formais ou informais. Outra semelhança entre os vinhos toscanos são os toques aromáticos rústicos, que sempre aparecem para deixar a degustação ainda mais complexa, no bom sentido é claro. Agora é com você, inspire-se na harmonização sem medo de errar e boa degustação!
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A República da Macedônia do Norte, como é reconhecida oficialmente desde janeiro de 2019, está situada na parte central da península balcânica, fazendo fronteira com Kosovo, Sérvia, Bulgária, Grécia e Albânia. A “Pérola dos Bálcãs” continua sendo um dos últimos países vinícolas inexplorados da Europa: um paraíso bucólico com vastos vinhedos, lagos, rios, montanhas e construções históricas. Seu clima está entre o mediterrâneo e o continental, onde os invernos são amenos e os verões são quentes e secos, época em que a temperatura máxima chega à casa dos 45°C. Devido a seus verões extremos, existe ali uma vocação natural para vinhos bastante intensos, sendo que os tintos correspondem a cerca de 80% da produção total. Para se ter uma ideia mais global da posição geográfica da Macedônia no cenário do vinho, a maior parte de seu território está entre as latitudes 41° e 42° do hemisfério norte, ou seja, a mesma faixa de outras regiões consagradas como Puglia (na Itália), Catalunha (na Espanha) e Douro (em Portugal).
Com seu aspecto árido, rochoso e montanhoso, a porção central da Macedônia simboliza a maior parte da indústria do vinho, onde se situa a macrorregião vinícola do Vale do Rio Vardar. Dentro dessa área está o Distrito de Tikveš, o qual eles próprios chamam de “coração dos vinhedos da Macedônia”, com um terço da produção nacional. O cenário de Tikveš é composto por infinitas fileiras ondulantes de vinhas, que ficam especialmente bonitas no entardecer. A uva mais famosa e cultivada na região é a tinta Vranec, que, apesar de ser nativa de Montenegro, hoje é muito popular nos vinhos macedônios. Essa casta representa cerca de 38% dos vinhedos cultivados no país e aproximadamente 90% de todas as plantações dela no mundo estão na Macedônia do Norte. Os vinhos elaborados com ela costumam ser intensos, tânicos e rústicos, fazendo jus à tradução do nome Vranec, que significa cavalo preto. Além dessa “popstar regional”, existem outras cepas originárias dos Balcãs sendo cultivadas por lá, inclusive, a tentativa de internacionalização dos vinhos fez surgir também Cabernet Sauvignon, Merlot, Syrah, Chardonnay, Riesling, entre outras. Minha expectativa é que nos próximos anos a Macedônia se mostre cada vez mais para o mundo dos vinhos, em uma mistura de modernidade técnica e riqueza histórica. Cheers!
by Sommelier Rodrigo Ferraz | Direitos Reservados
A República da Macedônia do Norte, como é reconhecida oficialmente desde janeiro de 2019, está situada na parte central da península balcânica, fazendo fronteira com Kosovo, Sérvia, Bulgária, Grécia e Albânia. A “Pérola dos Bálcãs” continua sendo um dos últimos países vinícolas inexplorados da Europa: um paraíso bucólico com vastos vinhedos, lagos, rios, montanhas e construções históricas. Seu clima está entre o mediterrâneo e o continental, onde os invernos são amenos e os verões são quentes e secos, época em que a temperatura máxima chega à casa dos 45°C. Devido a seus verões extremos, existe ali uma vocação natural para vinhos bastante intensos, sendo que os tintos correspondem a cerca de 80% da produção total. Para se ter uma ideia mais global da posição geográfica da Macedônia no cenário do vinho, a maior parte de seu território está entre as latitudes 41° e 42° do hemisfério norte, ou seja, a mesma faixa de outras regiões consagradas como Puglia (na Itália), Catalunha (na Espanha) e Douro (em Portugal).
Com seu aspecto árido, rochoso e montanhoso, a porção central da Macedônia simboliza a maior parte da indústria do vinho, onde se situa a macrorregião vinícola do Vale do Rio Vardar. Dentro dessa área está o Distrito de Tikveš, o qual eles próprios chamam de “coração dos vinhedos da Macedônia”, com um terço da produção nacional. O cenário de Tikveš é composto por infinitas fileiras ondulantes de vinhas, que ficam especialmente bonitas no entardecer. A uva mais famosa e cultivada na região é a tinta Vranec, que, apesar de ser nativa de Montenegro, hoje é muito popular nos vinhos macedônios. Essa casta representa cerca de 38% dos vinhedos cultivados no país e aproximadamente 90% de todas as plantações dela no mundo estão na Macedônia do Norte. Os vinhos elaborados com ela costumam ser intensos, tânicos e rústicos, fazendo jus à tradução do nome Vranec, que significa cavalo preto. Além dessa “popstar regional”, existem outras cepas originárias dos Balcãs sendo cultivadas por lá, inclusive, a tentativa de internacionalização dos vinhos fez surgir também Cabernet Sauvignon, Merlot, Syrah, Chardonnay, Riesling, entre outras. Minha expectativa é que nos próximos anos a Macedônia se mostre cada vez mais para o mundo dos vinhos, em uma mistura de modernidade técnica e riqueza histórica. Cheers!
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Renato é filho da brasileira Luana Korpalski Cárdenas e do peruano Luis Renato Cárdenas Santander. A história da família começou quando Luis veio ao Brasil para estudar com apenas 20 anos de idade, época em que acabou conhecendo Luana e decidiu nunca mais voltar a morar em seu país de origem. Anos mais tarde, em 1975, Luis adquiriu uma propriedade de 49 hectares em Mariana Pimentel, pequeno município do Rio Grande do Sul, com o intuito de construir um refúgio de tranquilidade próximo da natureza para sua família. Essa região brasileira, que fica a mais ou menos 1 hora de carro em direção ao sudoeste de Porto Alegre, sempre foi uma grande produtora de batata-doce e nunca teve tradição no cultivo de videiras, pelo menos não até a chegada dos Cárdenas por aquelas bandas.
No ano de 2005, ocorreu nessa região um incentivo por parte da prefeitura para que sua população começasse a cultivar uvas, como uma tentativa de fortalecimento da economia regional, que sempre esteve fortemente atrelada à zona rural. No entanto, a visão da época estava direcionada para o plantio de uvas de mesa, que depois serviriam como matéria-prima para produção de suco. Foi aí que Renato Cárdenas pensou fora da caixa e, já em 2006, decidiu iniciar o cultivo de uvas finas da espécie vitis vinifera na propriedade de sua família. À princípio, os Cárdenas fizeram um teste com mais de 60 castas diferentes, desde variedades internacionais famosas até cepas mais exóticas da Grécia e Geórgia. A partir desse “teste de uvas”, como disse o próprio Renato, eles puderam identificar quais foram aquelas que melhor se adaptaram ao terroir da região. Segundo ele lembrou em nosso bate-papo, Montepulciano, Carménère, Malbec e Saperavi foram algumas que se destacaram naquele período, porém, por uma escolha comercial, acabaram não sendo escolhidas na continuidade do projeto.
Somente quatro anos depois do início dos testes, em 2010, eles fizeram a primeira implantação dos vinhedos que iriam gerar os vinhos Cárdenas. Pode-se dizer que o início do projeto vitivinícola de Mariana Pimentel ocorreu de fato nesse momento e as castas escolhidas foram: Tannat, Merlot, Syrah, Riesling Itálico, Chardonnay, Pinot Noir e Petit Verdot. Além da seleção de uvas propícias para o novo e inexplorado terroir, perguntei também para o Renato sobre quais seriam os atributos geográficos de Mariana Pimentel mais relevantes para a viticultura de alto padrão. A resposta foi precisa e franca: solo granítico (pobre em nutrientes, forçando a raiz a ir mais fundo), influência oceânica (ocasionando grande amplitude térmica), forte presença de morros (garantindo inclinação nos vinhedos para boa drenagem de água da chuva) e baixa precipitação anual. Ao que me parece, a pequena grandiosa Mariana Pimentel tem uma vocação natural para produção de uvas finas e, o melhor de tudo, é que agora você poderá testar isso através dos vinhos Cárdenas. Um brinde ao desbravamento do inexplorado!
by Sommelier Rodrigo Ferraz | Direitos Reservados
Renato é filho da brasileira Luana Korpalski Cárdenas e do peruano Luis Renato Cárdenas Santander. A história da família começou quando Luis veio ao Brasil para estudar com apenas 20 anos de idade, época em que acabou conhecendo Luana e decidiu nunca mais voltar a morar em seu país de origem. Anos mais tarde, em 1975, Luis adquiriu uma propriedade de 49 hectares em Mariana Pimentel, pequeno município do Rio Grande do Sul, com o intuito de construir um refúgio de tranquilidade próximo da natureza para sua família. Essa região brasileira, que fica a mais ou menos 1 hora de carro em direção ao sudoeste de Porto Alegre, sempre foi uma grande produtora de batata-doce e nunca teve tradição no cultivo de videiras, pelo menos não até a chegada dos Cárdenas por aquelas bandas.
No ano de 2005, ocorreu nessa região um incentivo por parte da prefeitura para que sua população começasse a cultivar uvas, como uma tentativa de fortalecimento da economia regional, que sempre esteve fortemente atrelada à zona rural. No entanto, a visão da época estava direcionada para o plantio de uvas de mesa, que depois serviriam como matéria-prima para produção de suco. Foi aí que Renato Cárdenas pensou fora da caixa e, já em 2006, decidiu iniciar o cultivo de uvas finas da espécie vitis vinifera na propriedade de sua família. À princípio, os Cárdenas fizeram um teste com mais de 60 castas diferentes, desde variedades internacionais famosas até cepas mais exóticas da Grécia e Geórgia. A partir desse “teste de uvas”, como disse o próprio Renato, eles puderam identificar quais foram aquelas que melhor se adaptaram ao terroir da região. Segundo ele lembrou em nosso bate-papo, Montepulciano, Carménère, Malbec e Saperavi foram algumas que se destacaram naquele período, porém, por uma escolha comercial, acabaram não sendo escolhidas na continuidade do projeto.
Somente quatro anos depois do início dos testes, em 2010, eles fizeram a primeira implantação dos vinhedos que iriam gerar os vinhos Cárdenas. Pode-se dizer que o início do projeto vitivinícola de Mariana Pimentel ocorreu de fato nesse momento e as castas escolhidas foram: Tannat, Merlot, Syrah, Riesling Itálico, Chardonnay, Pinot Noir e Petit Verdot. Além da seleção de uvas propícias para o novo e inexplorado terroir, perguntei também para o Renato sobre quais seriam os atributos geográficos de Mariana Pimentel mais relevantes para a viticultura de alto padrão. A resposta foi precisa e franca: solo granítico (pobre em nutrientes, forçando a raiz a ir mais fundo), influência oceânica (ocasionando grande amplitude térmica), forte presença de morros (garantindo inclinação nos vinhedos para boa drenagem de água da chuva) e baixa precipitação anual. Ao que me parece, a pequena grandiosa Mariana Pimentel tem uma vocação natural para produção de uvas finas e, o melhor de tudo, é que agora você poderá testar isso através dos vinhos Cárdenas. Um brinde ao desbravamento do inexplorado!
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Independentemente de toda a confusão histórica, hoje a Vermentino encontrou seu lugar no mundo. Na Ilha da Sardenha, por exemplo, ela é a principal cepa branca cultivada e sua fama também é bastante reconhecida nos vinhos brancos na Toscana e Liguria. Já na França, a Vermentino recebe o nome de Rolle, a qual é muito cultivada na zona oriental da Provença, partes do Languedoc-Roussillon e na Ilha de Córsega. Sendo uma casta de maturação um tanto tardia, ela se adapta melhor a lugares onde os verões são prolongados, exatamente como ocorre em todas as regiões que acabei de citar. Outra característica interessante é que, assim como alguém que adora uma praia, a Vermentino anseia pelo mar, prosperando em regiões litorâneas da Europa. Não à toa, diversos vinhos elaborados com ela apresentam típicos toques de salinidade, nos aromas e nos sabores, como verdadeiros tesouros do mar.
Minha aposta é que os fãs de carteirinha de uvas como Sauvignon Blanc, Verdejo e Pinot Grigio provavelmente vão adorar a Vermentino! Digo isso, porque existem algumas semelhanças notáveis entre os exemplares produzidos com elas, que vou listar adiante. Apesar de serem vinhos de corpo leve, engana-se quem pensa em vinhos fugazes, afinal os aromas são complexos e exuberantes, a acidez é marcante, as camadas de sabor são intermináveis e o final de boca costuma ser longo. Ao degustar um legítimo Vermentino, caso você sinta um leve amargor no paladar, não precisa estranhar, pois essa é uma tipicidade, já que a casca dessa uva costuma ter concentração fenólica (taninos) acima da média. Agora é contigo, preparado para provar essa dica inusitada?
by Sommelier Rodrigo Ferraz | Direitos Reservados
Quem já visitou o Alentejo, sabe que lá existe uma energia poderosa envolvendo a paisagem. Uma terra árida e ensolarada, de imensas planícies com características mediterrânicas, onde tons amarelados e esverdeados pintam o horizonte. Dividindo espaço com vinhedos e olivais, estão os sobreiros e azinheiras compondo sua inconfundível identidade natural. Pelo fato de não haver nenhuma barreira orográfica imponente que pudesse segurar a condensação da humidade vinda do Oceano Atlântico, a secura acaba sendo um fator relevante neste terroir. Pequenas e escassas cadeias montanhosas da região estão mais concentradas na parte leste, logo na divisa com a Espanha. Não coincidentemente, as sub-regiões do vinho alentejano também estão concentradas nessa mesma área. Afinal, os produtores precisam buscar continentalidade e altitude para garantir a tão importante amplitude térmica, essencial principalmente no período de maturação das uvas viníferas de boa qualidade.
Onde há muito sol e pouca chuva, há vinhos intensos e estruturados, sejam eles brancos ou tintos, assim é a essência dos exemplares alentejanos. No entanto, potência sem frescor não basta, pois, vinho robusto sem acidez se torna enjoativo. Diante disso, para garantir a preservação da acidez dos frutos, diversos vinhedos de prestígio estão diretamente ligados às localizações mais continentais e elevadas da região, onde as noites são mais frescas, apesar dos dias escaldantes. Exemplos claros desse panorama são os agrupamentos de vinhas que podemos encontrar nas encostas da Serra de Portel e Serra de Ossa (ambas no distrito de Évora, Alentejo Central) e, mais ao norte, nas encostas da Serra de São Mamede (no distrito de Portalegre, Alto Alentejo). Esses estão entre os locais mais importantes da vitivinicultura alentejana, a qual equilibra taninos sedosos, exuberância aromática e frescor natural como poucos terroirs do mundo. Um brinde à força do Alentejo!
by Sommelier Rodrigo Ferraz | Direitos Reservados
Esse grande território está dividido em três províncias: La Rioja (mais ao norte), San Juan e Mendoza (mais ao sul). Dessas três, Mendoza é sem dúvida a principal zona no cenário do vinho, tanto para a Argentina como para o Mundo, respondendo por quase dois terços de toda a produção do país. A indústria do vinho de Mendoza teve um crescimento colossal no século XIX e início do século XX, que a transformou em uma das maiores extensões vinícolas do mundo e a maior da América Latina. Em 1885, foi concluída a ferrovia que ligava Buenos Aires a Mendoza, fazendo com que o lento e custoso comércio de carretas ficasse para trás. Além disso, a chegada maciça de imigrantes europeus nessa mesma época trouxe aumento na demanda de consumo e, principalmente, novas técnicas para produção de vinhos. Para se ter uma noção quantitativa desse crescimento, os vinhedos de Mendoza representavam cerca de 1.000 ha em 1830, mas em 1910 já correspondiam a uma área de 45.000 ha. Hoje são aproximadamente 150.000 ha cobertos por vinhas em Mendoza.
Do ponto de vista histórico, as uvas de casca rosada Cereza e Criolla Grande foram a espinha dorsal da indústria vinícola mendocina, porém essas cepas foram amplamente utilizadas para produção de vinhos de garrafão, mais baratos e de menor qualidade. Atualmente, essas variedades ainda representam 20% do total dos vinhedos de Mendoza, porém estão cada vez mais dando lugar para outras uvas viníferas mais nobres, à medida que se busca maior qualidade de exportação nos vinhos. Como já é sabido por grande parte dos enófilos do mundo, o maior símbolo regional contemporâneo é a Malbec, que, sozinha, corresponde a 26% dos vinhedos cultivados em Mendoza. Essa variedade era considerada de segunda categoria na França e foi levada para a Argentina em meados do século XIX, quando os vinhedos europeus estavam sofrendo com a peste filoxera. Por conta de sua excelente adaptação ao terroir dos Andes e do excepcional trabalho desenvolvido por algumas vinícolas (com destaque para a Catena Zapata), a Malbec de Mendoza elevou o vinho argentino à categoria de estrela internacional. Outras castas que se destacam por ordem de área de vinhedos são: Bonarda, Cabernet Sauvignon, Syrah, Pedro Giménez, Tempranillo, Chardonnay, Merlot e Torrontés. O futuro e a fama dos vinhos elaborados com cada uma delas dependerá dos paladares e demandas do mercado internacional, mas, uma coisa é certa, potencial a região tem de sobra.
by Sommelier Rodrigo Ferraz | Direitos Reservados
Esse grande território está dividido em três províncias: La Rioja (mais ao norte), San Juan e Mendoza (mais ao sul). Dessas três, Mendoza é sem dúvida a principal zona no cenário do vinho, tanto para a Argentina como para o Mundo, respondendo por quase dois terços de toda a produção do país. A indústria do vinho de Mendoza teve um crescimento colossal no século XIX e início do século XX, que a transformou em uma das maiores extensões vinícolas do mundo e a maior da América Latina. Em 1885, foi concluída a ferrovia que ligava Buenos Aires a Mendoza, fazendo com que o lento e custoso comércio de carretas ficasse para trás. Além disso, a chegada maciça de imigrantes europeus nessa mesma época trouxe aumento na demanda de consumo e, principalmente, novas técnicas para produção de vinhos. Para se ter uma noção quantitativa desse crescimento, os vinhedos de Mendoza representavam cerca de 1.000 ha em 1830, mas em 1910 já correspondiam a uma área de 45.000 ha. Hoje são aproximadamente 150.000 ha cobertos por vinhas em Mendoza.
Do ponto de vista histórico, as uvas de casca rosada Cereza e Criolla Grande foram a espinha dorsal da indústria vinícola mendocina, porém essas cepas foram amplamente utilizadas para produção de vinhos de garrafão, mais baratos e de menor qualidade. Atualmente, essas variedades ainda representam 20% do total dos vinhedos de Mendoza, porém estão cada vez mais dando lugar para outras uvas viníferas mais nobres, à medida que se busca maior qualidade de exportação nos vinhos. Como já é sabido por grande parte dos enófilos do mundo, o maior símbolo regional contemporâneo é a Malbec, que, sozinha, corresponde a 26% dos vinhedos cultivados em Mendoza. Essa variedade era considerada de segunda categoria na França e foi levada para a Argentina em meados do século XIX, quando os vinhedos europeus estavam sofrendo com a peste filoxera. Por conta de sua excelente adaptação ao terroir dos Andes e do excepcional trabalho desenvolvido por algumas vinícolas (com destaque para a Catena Zapata), a Malbec de Mendoza elevou o vinho argentino à categoria de estrela internacional. Outras castas que se destacam por ordem de área de vinhedos são: Bonarda, Cabernet Sauvignon, Syrah, Pedro Giménez, Tempranillo, Chardonnay, Merlot e Torrontés. O futuro e a fama dos vinhos elaborados com cada uma delas dependerá dos paladares e demandas do mercado internacional, mas, uma coisa é certa, potencial a região tem de sobra.
by Sommelier Rodrigo Ferraz | Direitos Reservados
A boa notícia é que, em razão do embasamento científico, da rápida disseminação da informação e do despertar da consciência social, respostas ecológicas têm sido apresentadas. É claro que também existe um incentivo mercadológico para essa transição, já que os novos consumidores também estão mais conscientes, mas neste contexto todos saem ganhando. O fato é que, no caso da viticultura, a videira é bastante suscetível a doenças e precisa de intervenção, portanto é preciso buscar soluções mais naturais ao se fazer essas intervenções. Diante disso, diversos produtores estão exercendo uma abordagem mais holística, na qual todo o ambiente em que seus vinhedos estão inseridos é levado em consideração. O objetivo é estabelecer um microambiente sustentável, onde o uso de compostos sintéticos seja minimizado. Algumas medidas aplicáveis são a alocação de áreas para habitats naturais, criando corredores de vida selvagem; o emprego de “culturas de cobertura”, reduzindo a necessidade de herbicidas e fungicidas; a introdução de plantas de controle biológico, que atraem insetos benéficos para comer pragas; e a substituição de pesticidas por maquinário de controle térmico (jato de vento laminar de 150ºC a 200 km/h) ou armadilhas de feromônio natural, que confundem sexualmente, mas não matam, possíveis pragas.
Parafraseando Allison Lengauer Jordan, diretora-executiva do California Sustainable Winegrowing Alliance, “a sustentabilidade é o novo normal”. Se pode verificar isso em escala global tanto na indústria do vinho, como na indústria de alimentos em geral, onde os orgânicos vêm conquistando cada vez mais espaço. Ainda segundo Allison, quase um quarto dos vinhedos da Califórnia é certificado como sustentável. Na Nova Zelândia, quase todos os produtores já possuem a certificação “Viticultura Sustentável NZ”, que exige padrões de biodiversidade, saúde do solo, uso da água, qualidade do ar, energia e uso de produtos sintéticos. No caso do Chile, cerca de 75% dos produtores são certificados como sustentáveis, atendendo requisitos ligados a cultivo, produção e responsabilidade social. Na França, o governo introduziu uma rigorosa certificação ambiental (Haute Valeur Environnementale), cuja meta é que 50% dos viticultores sejam certificados até 2025, com uma redução de, no mínimo, 50% dos compostos agrícolas sintéticos. O Conselho do Vinho de Saint-Emilion institucionalizou que todos os produtores que desejarem usar a A.O.P. da região deverão ser certificados como HVE até 2023.
O mundo está se mexendo e você, o que está fazendo pelo planeta?
by Sommelier Rodrigo Ferraz | Direitos Reservados
Uma característica marcante do cenário do vinho transmontano é sua intrínseca relação com as rochas, pois, até hoje conseguimos encontrar vários lagares escavados em pedras de origem Romana e pré-Romana, desenhando uma paisagem muito típica para a região. Além disso, do ponto de vista geológico, as vinhas também sofrem influência direta dos solos rochosos de Trás-os-Montes, compostos majoritariamente por granito e manchas de xisto. Esses solos tão pedregosos e ácidos são pobres em nutrientes (pouco férteis), ocasionando baixo rendimento das videiras, algo muito bem-quisto quando o assunto é a produção de vinhos de alta qualidade. Com relação à parte gustativa, solos graníticos estão diretamente ligados a vinhos com acidez pronunciada e taninos “selvagens”, ou seja, uma combinação excelente para vinhos mais sérios, de guarda. Isso até me faz lembrar um famoso queridinho italiano, o indomável Barolo!
Segundo o português Telmo Moreira, produtor e sócio da clássica Quinta das Corriças, sediada na cidade de Valpaços, “Trás-os-Montes, enquanto região produtora de vinhos, acordou muito mais cedo do que todas as outras. Os Romanos produziram e levaram daqui vinho para Roma. Era o chamado vinho PASSUM. Esses vinhos eram assim conhecidos por serem os mais fortes e encorpados, ou seja, os melhores classificados por aquela gente. Daí a própria origem do nome VALE DE PASSUM, mais tarde Valpaços. Depois da doença que infestou e dizimou as vinhas no final do século XIX (filoxera), aconteceu o inesperado: a região pareceu parar no tempo, adormeceu, é certo. Porém, atualmente, por iniciativa dos produtores dispararam os índices de qualidade dos nossos vinhos. Por isso, costumo dizer que, após esta longa história, os vinhos de Trás-os-Montes recomendam-se e estão na moda”. Da minha parte, só posso dizer que o Telmo tem toda razão, viva o renascimento do vinho transmontano!
by Sommelier Rodrigo Ferraz | Direitos Reservados
Não é exagero nenhum dizer que Bordeaux representa um diamante francês vitivinícola, econômico e cultural, inclusive, muitos a reconhecem como “a nova Paris”. Essa área localizada no litoral oeste da França tem a água como característica crucial de seu terroir. O próprio nome Bordeaux faz referência aos rios que cruzam suas terras, afinal a palavra decorre da expressão “au bord de l’eau”, a qual pode ser traduzida literalmente para “na beira d’água”. São os rios Dordogne e Garone, que, ao se encontrarem, dão origem ao amplo estuário de Gironde, todos eles sendo grandes responsáveis por amenizar as temperaturas da região. Uma curiosidade interessante é que sem essas massas de água não existiria o ilustríssimo vinho bordalês Sauternes, afinal, para o aparecimento do fungo Botrytis cinerea é preciso que ocorra a névoa das primeiras horas da manhã, causada justamente pela umidade do ar e específica condição climática influenciada pelos rios. Além desses fatores ligados ao clima, as águas de Bordeaux também tiveram importância histórica do ponto de vista econômico, já que serviram como rota comercial para levar os vinhos franceses até o poderoso mercado consumidor britânico no período dos grandes reinados europeus.
Outro fator determinante é o solo de Bordeaux, o qual varia completamente entre a margem esquerda e a margem direita do estuário de Gironde. Essa condição acaba sendo decisiva para os vinhos produzidos em cada uma das margens. Do lado esquerdo, temos a predominância de solos pedregosos, que conseguem reter e irradiar o calor do dia de volta para as vinhas. Isso acaba possibilitando o cultivo de castas com maturação tardia, como é o caso da Cabernet Sauvignon. Não à toa, essa é a cepa mais importante das apelações situadas na margem esquerda, presente em diversos rótulos clássicos de Médoc, Haut-Médoc e Graves. Já na margem direita, os solos têm argila como maior parte da composição, ou seja, retêm mais água e menos calor. Sendo assim, é necessário optar por castas de maturação mais rápida, como é o caso da Merlot. As famosas apelações de Saint-Émilion e Pomerol, ambas na margem direita, também possuem vinícolas e rótulos clássicos, porém ali a estrela principal sempre foi a Merlot e não a Cabernet Sauvignon. Apesar dessas duas variedades serem soberanas em Bordeaux, outras castas permitidas na região são: Cabernet Franc, Malbec, Petit Verdot, Sauvignon Blanc, Sémillon, Muscadelle e Ugni Blanc.
Para reconhecer um vinho de Bordeuax, costumo dizer que o caminho mais fácil é pelo olfato, pois a grande maioria dos rótulos possui certa rusticidade inerente a eles. Sabe quando você sente aromas de fazenda, estrebaria, couro, terra molhada? Então, isso é muito comum em exemplares bordaleses. Outra característica interessante é a variação de safra para safra, devido às instabilidades climáticas da região. Enquanto os anos de 2001 e 2002 geraram vinhos menos complexos e, consequentemente, mais baratos, as safras de 2005 e 2009 foram algumas das melhores dos últimos 100 anos, carregando seus rótulos para leilões, além de adegas de colecionadores e grandes compradores chineses. Por fim, não posso esquecer de mencionar o elevado potencial de guarda de boa parte dos vinhos produzidos por lá, que pode chegar a 10, 30, 50 anos de evolução em garrafa. Assim é formada a tipicidade do vinho de Bordeaux, um patrimônio tanto para a França como para os enófilos de plantão ao redor do mundo.
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Podemos colocar Rioja no seleto grupo das regiões mais clássicas do mundo do vinho, afinal, sua história é secular e os mercados internacionais a desejam há longa data. A região possui cerca de 14.800 viticultores, 600 vinícolas, o maior parque de barricas do mundo e seus vinhos estão presentes em 130 países. Além do mais, vale ressaltar que o preço médio de seus bons vinhos é mais baixo que o de exemplares provenientes de outras regiões consagradas, como Bordeaux e Borgonha, por exemplo. O famoso “custo-benefício” que nós tanto gostamos é uma possibilidade mesmo para os vinhos de alto padrão de Rioja. É claro que existem exceções, pois, assim como ocorre em outras zonas famosas, existem vinícolas que são verdadeiras grifes. No entanto, a média dos valores praticados mundo afora ainda é bem interessante para os exemplares de Rioja. Dito isso, o que mais podemos esperar desses vinhos?
Apesar do domínio absoluto da Tempranillo, cobrindo aproximadamente 87% dos vinhedos, é preciso reconhecer que Rioja possui uma mistura de castas coadjuvantes bastante intrigantes. A família real em volta da Tempranillo é composta pela Garnacha (que agrega deliciosos aromas de especiarias doces), Mazuelo (conhecida como Carignan, na França) e Graciano (que contribui com cor vibrante e aromas intensos). Para os vinhos brancos, quem dá o ar da graça com mais frequência é a Viura, também chamada de Macabeo. Essas são as cepas que retratam a maior parte dos vinhedos de Rioja e, consequentemente, forjam o estilo regional. Como os vinhos tintos correspondem a 90% de toda a produção, em poucas palavras, podemos dizer que um Rioja típico é um Tempranillo com tempero de outras cepas e madeira – sim, madeira é tema relevante nessa área da Espanha.
O estágio em barricas de carvalho é levado tão a sério nessa região, que acaba se tornando um dos principais atributos da Denominación de Origen Calificada. A base da pirâmide é composta pelos vinhos genéricos de Rioja, vinhos jovens, que não precisam passar por madeira e, por isso, apresentam aromas primários frutados em maior destaque. Depois vem o famoso Crianza, que precisa ter passagem mínima de 1 ano em barricas e pelo menos 2 anos de guarda no produtor. Na sequência vem o Reserva, com passagem mínima de 1 ano em barricas e pelo menos 3 anos de guarda no produtor. Por último e o mais nobre de todos, vem o Gran Reserva, com passagem mínima de 2 anos em barricas e pelo menos 5 anos de guarda no produtor. Essas três classificações principais (Crianza, Reserva e Gran Reserva) são as grandes responsáveis pela fama internacional de Rioja. Esses vinhos quase sempre são intensos na estrutura e nos taninos, com final de boca longo e grande potencial de guarda. Com relação aos aromas e sabores, geralmente apontam para uma atraente mistura de geléia de frutas negras, baunilha e toques defumados.
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